Queime depois de ler


Fargo de 1996 é um filme sobre um marido que planeja o seqüestro da própria esposa visando receber o dinheiro do resgate? O Mais recente "Onde os Fracos não tem vez" é somente uma história sobre um assassino frio numa cassada a uma bolsa cheia de dinheiro? Essa é uma das características marcante do trabalho dos irmãos Joel e Ethan Coen, a dificuldade de definir rotular suas carreiras de diretores e roteiristas e também a impossibilidade de encontrar um tema central único de seus filmes.


Em contra partida, na opinião dos próprios irmãos e do elenco de "Queime depois de ler" mais novo filme da dupla, o filme conta a história de idiotas de meia idade e seus conflitos pessoais. Essa é a definição de todo o elenco e diretores sobre o tema central do longa.
Como habitual, tal definição pode ser aceita ou não, já que "Queime depois de ler" mostra o impacto de dois mundos distintos, da inteligência americana e do mundo fitness. A paranóia de espionagem e conspirações que assolava os americanos em tempos de guerra fria e ainda hoje incomoda, no entanto, em "Queime depois de ler" nada é o que parece ser, e nada tem a importância que parece ou demonstra ter. O documento ultra-secreto que o personagem de Brad Pitt pensa ter, na verdade nem é tão secreto ou importante assim, assim como os russos já não são inimigos "mortais" dos americanos, nem o personagem de John Malkovich tem um cargo tão importante na inteligência do governo americano e tão pouco o personagem de George Clooney está inserido numa grande intriga de espionagem e perseguição.


O elenco repleto de estrelas, mostra a capacidade Ethan e Joel Coen em lhe dar com grandes egos além de suas preocupações como roteiristas criando papeis exclusivos para os atores com quem gostam ou pretendem trabalhar. Em "Queime depois de ler" não há um personagem principal, mas sim várias histórias que se cruzam e fazem a história seguir de uma maneira "simples", que muito embora deixem um certo ar de desconfiança no espectador, imaginando se por trás daquela crueza e objetividade do roteiro não estariam guardadas ou mesmo implícitas outras diversas possibilidades e nuances da história.

Ygor MF


Ficha Técnica:
Título Original: Burn After Reading
Tempo de Duração: 96 minutos
Ano de Lançamento (EUA / Inglaterra / França): 2008
Site Oficial:
www.burnafterreading.com
Direção: Joel Coen e Ethan Coen
Roteiro: Joel Coen e Ethan Coen
Fotografia: Emmanuel Lubezki


Elenco:
George Clooney (Harry Pfarrer)
Frances McDormand (Linda Litzke)
John Malkovich (Osbourne Cox)
Tilda Swinton (Katie Cox)
Brad Pitt (Chad Feldheimer)
Richard Jenkins (Ted Treffon)
Elizabeth Marvel (Sandy Pfarrer)
Olek Krupa (Krapotkin)
Michael Countryman (Alan)
Hamilton Clancy (Peck)
Armand Schultz (Olson)
Brian O'Neill (Hal)
David Rasche (Oficial da CIA)
J.K. Simmons (Superior da CIA)
Dermott Mulroney (Astro de "Coming Up Baby")


Linha de Passe

Linha de Passe conta a história dos caminhos possiveis e impossíveis dentro de uma mesma família. Uma família que comporta entre seus membros grande parte dos tipos sociais das grandes metrópoles.

Sandra Corveloni (vencedora do prêmio de melhor atriz em Cannes) é Cleuza mãe solteira de quatro filhos e grávida de um quinto de pai desconhecido. Cleuza toca sua vida trabalhando duro como empregada domestica enquanto se desdobra entre sua paixão pelo Corinthians e o dever de dar educação a seus filhos.

Reginaldo é o caçula, um garoto irritadiço e rebelde numa busca frenética pelo pai, passando o dia vagando de ônibus em ônibus, pois a única informação que o garoto tem é que o pai é um motorista de ônibus. Vinicius de Oliveira o garoto de “Central do Brasil” que volta a trabalhar com Walter Salles, é Dario, um jovem que corre contra o tempo para se tornar um jogador de futebol, seu grande sonho, a luta de Dario é contra o futuro que lhe veio rápido demais sem que ele pudesse estar preparado para as oportunidades da vida. Já Dinho é o filho evangélico que luta contra os erros de um passado torto e marginal, procurando refúgio na religião e no emprego nada promissor como frentista. Por último, Denis é quem tem a vida menos desregrada, sem sonhos ou caminhos a perseguir, pai involuntário de uma criança, toca sua vida em cima de sua moto, desviando e indo de encontro a obstáculo da vida.

Esse é contexto que o diretor Walter Salles constrói em sua mais nova investida sobre o drama mais que urbano, o drama humano entre metrópoles, pessoas e a dificuldade da convivência e da conversão da vida em um momento feliz.

A incursão de Walter pelas entranhas da cidade segue entre o olhar medroso e desconfiado de uma criança à velocidade inescrupulosa e inconseqüente dos motoboys, o diretor enfatiza na direção a expressão dos personagens e a angustia de cada um como se fosse um out-door, é um claro e estridente apelo ao drama humano. O roteiro de George Moura e Daniela Thomas, com colaboração de Bráulio Mantovani traça o caminho de cada personagem de forma independente, mas sem jamais desconectar uma história da outra, por fim, as atuações são todas completas, exatas, no gesto contido ou no exagero de uma expressão, alcançam uma formula próxima ao excelente. Conseguindo vagar pelo vazio de seus personagens completando essa lacuna com angustia e pouquíssimos momentos de felicidade.

Linha de Passe é mais um grande trabalho de Walter Salles, alcançando um raro momento de realismo no cinema, no entanto, a de se salientar a característica contemplativa do longa, sendo um trabalho que requer maior atenção e paciência, tendo grandes chances de ao final recompensar tal “esforço”.

Ygor MF

Ficha Técnica:
Título Original: Linha de Passe
Tempo de Duração: 108 minutos
Ano de Lançamento (Brasil): 2008
Direção:
Walter Salles e Daniela Thomas
Roteiro: George Moura e Daniela Thomas, com colaboração de Bráulio Mantovani
Fotografia: Mauro Pinheiro Jr.
Elenco:
João Baldasserini (Dênis)
Vinícius de Oliveira (Dario)
José Geraldo Rodrigues (Dinho)
Kaique de Jesus Santos (Reginaldo)
Sandra Corveloni (Cleuza)
Ana Carolina Dias

Trecho do Conto - 8:15 am – O momento em que me tornei cético

Aguardava inutilmente pela permissão do semáforo para atravessar a rua, procurava pela permissão que o verde do farol anunciaria, mais pelo instinto de aguardar e proteger-se por de trás do sentido impregnado na cor do que pelo medo e as impossibilidades que o vermelho representava, já que, mesmo diante desse, não haveria carros nem qualquer outro obstáculo que me impediria de cruzar a rua deserta. Alarmes, trânsito ou horários a cumprir já não existiam...



Desde a falha nas negociações diplomáticas e após o alerta de bombardeio, a cidade fora evacuada, só eu insistia e minha insistência era assim meio despercebida e totalmente desprovida de intenções honrosas. Não era o apego pela minha terra, nem uma insinuação de oposição ao inimigo. Enquanto toda a gente corria fugindo para distâncias seguras da sombra da bomba, sentei no meio-fio, abdiquei de atravessar a rua. Enquanto riscava o fósforo para acender o cigarro fui atingido por aquele cheiro da pólvora após a rápida chama no palito. Aquele cheiro que só é bom por que é também rápido, adentrou minhas narinas, respirei mais fundo para buscá-lo já disperso no ar... em extinção.


Acendi a outro fósforo, dessa vez o mesmo cheiro me causou enjôo e irritação no nariz, acendi o cigarro e mirei o semáforo que piscava amarelo em alerta de que a cidade já não funcionava mais.
Foi durante aqueles minutos enquanto aguardava sentado olhando para o céu, que perdi a fé em Deus... No trajeto daquelas quatro toneladas, ganhando velocidade, descendo sobre a cidade, despi-me de todos os escrúpulos que me impediam de amaldiçoar o Deus corrupto e contrabandista de compaixão, impune e indiferente a tudo. Se rastejando entre as nuvens, cinzento, corrompendo a gravidade, burlando leis físicas, poluindo a visão de quem perplexo, não sabia se Deus era a bomba ou se a Bomba era a exata ausência de deus...

Ygor MF