Victor Camundongo

À Victor Camundongo

Caro Sr. Victor venho por meio desta delatar-te e libertá-lo caso se sinta aprisionado pela síndrome de Bartleby, a qual acomete os escritores numa branca e indissolúvel incapacidade de escrever ou por qualquer outro motivo deixam, se recusam a escrever. E antes que me acuse de desfilar despistado por esse mal jogando-me na cara o meu livro Bartleby e Cia, um romance escrito através de notas de rodapé, lhe digo: Ora é um personagem que este sim está acometido pela síndrome, eu? Vou muito bem com algumas dezenas de romances. Por tanto, a tua farsa ou tendência hipocondríaca pode ter fim, pois para o bem ou para o mau você meu caro amigo escreve poemas disfarçados de nota e eu me pergunto se existe tal poema que pretende escrever ou jamais existirá ou ainda por tanto rodeá-lo jamais conseguirá alcança-lo.

Sem mais;
Enrique Vila-Matas

E foi por isso que hoje não escrevi aquele poema...
Victor Camundongo



Em seu quinto livro, publicado em 1991, o espanhol Enrique Vila-Matas aponta para o que mais tarde nos livros "Bartleby e Cia" e "O Mal de Montano", seria sua característica mais marcante, a literatura do vácuo, ou ainda a literatura do não. Um mergulho profundo nos bastidores do exercício da escrita. 


Porém se "Bartleby e Cia" é relato de um escritor que não escreve e constrói um romance de notas de rodapé e "O Mal de Montano percorre A obsessão pela literatura e pelo literário e a prática do diário íntimo por diversos autores, "Suicídios Exemplares" visita o mundo de personagens que tramam, querem mas nunca conseguem concluir o suicídio. Como de praxe nos textos de Vila-Matas personagens cultos sempre envolvidos com a arte possibilitam sempre uma enxurrada de informações e referências culturais.

Enrique Vila-Matas
Mas não façamos literatura


Mas não façamos literatura. Pelo mesmo correio (ou amanhã) registradamente enviarei o meu caderno de versos que você guardará e de que você pode dispor para todos os fins como se fosse seu. [...] Adeus. Se não conseguir arranjar amanhã a estricnina em dose suficiente, deito-me para debaixo do "metro"... Não se zangue comigo.
Mário de Sá Carneiro - (Carta à Fernando Pessoa, 31-03-1916)


Rosa Schwarzer volta a vida


...Meu pobre e querido Hans, pensou enquanto abria a janela e o ar frio entrava de uma vez em toda a sala, e Rosa Schwarzer seguiu pensando na infinta desgraça de seu filho, até que pensou de repente na possibilidade de se atirar no vazio, ou melhor, no duro pátio da vizinha, aproveitando aquela segunda ocasião, tão fácil como inigualável, que se apresentava para tirar a sua vida e faze-la alcançar a liberdade, ao desprender-se de tudo e de todos,e sair por fim deste trágico e grotesco mundo. Mas logo se deu conta de que seu filho precisava muito dela, ainda mais do que seu marido, e que aquela, sim, era uma verdadeira razão para continuar vivendo. E para dizer a si mesma que continuava viva, perfeitamente viva, Rosa Schwazer provou um pedaço de queijo...


Minhas desculpas, peço desculpas - apressou-se em dizer o boêmio com grande educação, um pouco assustado com aquele olhar fulminante de uma Rosa Schwazer que se sentia capaz de tudo, pois estava convencida de que ninguém havia tido - o pobre boêmio muito menos - uma manhã tão intensa e perigosa como a sua. Sempre à beira da morte e sempre a deixando para trás, no ultimo segundo, o abismo. Já eram três as oportunidades que havia desperdiçado aquela manhã, três claras e precisas ocasiões para se matar. Isso a fazia se sentir tão segura...


A arte de desaparecer


    ...- Mas é que a mim, amigo Hvulac, sempre me horrorizou o sentimento de protagonismo. Sempre amei a discrição, o anonimato em tristeza, a glória sem fama, a grandeza sem brilho, a dignidade sem remuneração, o prestígio próprio...

Então todo o gelo secou... a terra foi ficando cada vez mais verde e árida...

Isso não é nenhum relato histórico ou geográfico do fim dos tempos, ou de mudanças climáticas do nosso planeta, e sim o que aconteceu com a 4ª sequência de "A Era do Gelo". Não tão brilhante quanto os outros três longas, o quarto episódio chega aos cinemas repetindo uma mesma formula que dessa vez não deu tão certo.

Quando o continente se separa, Manny(o mamute), Diego e Sid são acidentalmente isolados num iceberg. A deriva em alto mar tentam voltar para a terra firme junto dos outros, porém são interceptados pelo "Capitão Entranha" e sua compania de piratas.

Mais uma catástrofe ou mudança geográfica e a necessidade dos personagens se mudarem de um ponto A para um ponto B, acrescenta-se um vilão no meio dessa jornada e tem-se um sucesso de bilheteria certo? Do ponto de vista financeiro o sucesso parece certo, mas "A Era do Gelo 4" soa como simples repetição, novos personagens não se justificam na história e nem alcançam um carisma pleno, há sim bons momentos de ação e humor, virtuosismo técnico, mas toda essa graça parece vinda de uma piada já contada.


Victor Camundongo
Por que de repente o meu peito se encheu dum fôlego que me fez inflar, quase flutuar
acima de todas as expectativas que cada estrofe pudesse devolver a este peito antes doído.
Não mais a métrica que por trás da estética só aprisionava o tanto que tinha a dizer.
Por um dia um asco à toda poesia, a todo verso que não é capítulo, parágrafo.
Por um dia não ter mais que comprimir todo o sentimento que há em mim, por um dia deleitar-me num diário vadio, displicente, por esse dia em que não escrevi aquele poema, deixar de ser poeta e desprender-me de toda maldição ou riso dos outros...

Victor Camundongo


Dirigido pelo dinamarquês Nicolas Winding Refn e estrelado por Ryan Gosling, Driver conta a história do piloto e mecânico que se define enquanto ao que é e o que faz com a frase: "I Drive...". Mecânico habilidoso, piloto voraz, o personagem de Ryan se divide entre trabalhos de dublê para o cinema e a vida na oficina. Além desses presta serviços escusos a assaltantes e demais interessados num exímio piloto e profundo conhecedor das ruas. Numa espécie de "pré-contrato", fica ajustado que ele participará apenas da "logística" da coisas digamos assim, depois do serviço finalizado nenhum outro tipo de contato ou ligação será tolerada.

Essa é a vida deste "cavalheiro solitário", do qual não sabemos nada, nem do passado e como ele chegou até ali e tão pouco de suas aspirações ou por qual motivo ele realiza aqueles trabalhos. Não há uma voz off que nos apresenta o personagem, muito menos nos diálogos durante o filme conseguimos encontrar alguma informação. Mas há em certo momento um ponto fraco assimilado, ou talvez uma baixa na guarda, que é quando este encontra com Irene(Carey Mulligan) e seu filho Benicio, vizinhos de seu apartamento. 

Ainda bastante contido esboçando um sentimento através de sorrisos ligeiros e silenciosos. A partir desse encontro, de olhares demorados e expressivos é que a vida desses tomará um outro rumo ou ao menos sinalizará para tal. Pois quando tudo parece estar se encaixando, se rendendo, Irene recebe a notícia de que seu marido sairá da prisão. Contudo é preciso salientar que "Drive" não se prende a esse encontro e a esperança que esse possa representar na vida de cada personagem, mas trata da dualidade da vida deste protagonista, carismático e desconhecido, calmo e explosivo, compassivo e letal, diferenças separadas por um fio.

Drive na verdade é um desses filmes mais complexos de se definir, o que é na verdade sua grande qualidade(já que definições, esquemas ou classificações podem ser pejorativas). Não é um drama, tão pouco um romance a seria triste defini-lo como um filme de ação, 
por isso pode-se dizer que o diretor dinamarquês fez um trabalho completo(não perfeito), que embora possa frustrar quem chegou até o longa por meio das cenas de perseguições do trailer, deve muito mais surpreender quem a quem tinha menores expectativas. Contudo há de se ter uma espera no minimo curiosa já que o longa passou a frente de Lars Von Trier e tomou o Cannes de Melancolia. Sem entrar em julgamentos após assistir os dois longas é de fato fácil saber o porque Driver levou o prêmio.

O grande mérito do diretor Nicolas Winding Refn foi conseguir beber de diferentes fontes de inspiração ou melhor influências já que no seu trabalho se percebe muito mais apuro técnico e trabalho duro do que puramente inspirações, e entregar um produto novo, a tal da antropofagia talvez. 

Tudo em Drive, roteiro, direção e fotografia se move com perfeita unidade e a trilha sonora pontua um ambiente underground, melancólico. Para fechar o bom trabalho de Albert Brooks muito bem no papel de "vilão" e sobre tudo Ryan Gosling que caiu de vez no gosto do público e principalmente dos diretores, deixando para trás papeis coadjuvantes e chegando ao primeiro escalão silenciosamente como se sempre estivesse entre principais nomes de Hollywood.

Gênero: Ação e Drama 
Duração: 95 min. 
Estreia: 02/03/2012 
Direção: Nicolas Winding Refn 
Roteiro: Hossein Amini e James Sallis 

Elenco:
Albert Brooks 
Bryan Cranston 
Carey Mulligan 
Cesar Garcia 
Chris Smith 
Christian Cage 
Christina Hendricks 
James Biberi 
Jeff Wolfe 
Joe Pingue 
Oscar Isaac 
Ron Perlman 
Ryan Gosling
Tiara Parker 
Tina Huang 

De 10 a 20 de julho na Caixa Cultural do RJ e de 13 à 23 de agosto em São Paulo, no CineSesc. A amostra reúne os 15 longas do irmãos Joel e Etan Coen.

mais informações:





Condenado pela justiça do Irã, o cineasta Jafar Panahi aguarda em prisão domiciliar pelo resultado de sua sentença no tribunal de apelação. Este "não filme" retrata um dia nesta difícil rotina do diretor perseguido pelo governo de Mahmoud Ahmadinejad.