O Western em sua excelência 

Harmonica, modo como o personagem de Charles Bronson é chamado por estar sempre acompanhado de uma gaita, desce do trem na estação, lá três homens já o aguardam. Num determinado momento do lento diálogo entre o quarteto, Harmonica nota que três cavalos acompanham os homens e decreta: Dois cavalos a mais. Em seguida num movimento rápido dispara três tiros certeiros. Ele está em busca de vingança… 

Jill McBain (Claudia Cardinale) chega da estação para encontrar seu novo marido com quem se casou meses atrás e só agora irão morar juntos. Mas ninguém a espera pois todos estão mortos. Frank (Henry Fonda) e sua “gangue” fizeram o trabalho sujo a pedido de Morton (Gabriele Ferzetti) um milionário interessados nas terras por onde uma futura linha de trem passará. A partir desse momento, Jill MacBain está em busca de vingança. Fugido da prisão o pistoleiro Cheyenne (Jason Robards) fica sabendo que homens usando casacos como o que ele e seu bando usam estão cometendo brutais assassinatos, numa suposta tentativa de incriminá-lo. Cheyenne está em busca de vingança… 

Noutro momento os caminho de Jill, Harmonica e Cheyenne se cruzarão, ainda que exista uma forte tensão entres os três, Jill será protegida pelos dois homens enquanto é perseguida por Frank e seus comparsas. Como diz o diretor Sergio Leone, em Era Uma Vez no Oeste todos os personagens, exceto o de Claudia Cardinale, sabem que vão morrer. É um encontro lento e silencioso com a morte anunciada. E será o interesse desses personagens que moverá o longa. No entanto, outras histórias podem ser retiradas deste longa que fala de muitas outras coisas, como a transformação do Velho Oeste com a chegada da modernidade vinda através dos trens, a mudança de comportamento das pessoas com a velocidade nas comunicações e viagens além do dinheiro, que chegando aquelas terras fez mudar a figura do vilão. Não mais um fora da lei, barbado e armado, mas um homem bem vestido, rico e instruído. Os “românticos” assaltos a banco serão deixados de lado. Homens gananciosos e inescrupulosos passarão a fomentar a discórdia e o desajuste social sem portar qualquer tipo de arma. Este é papel de Morton vivido por Gabriele Ferzetti personagem que está por trás das ações do impiedoso Frank. 

A idéia inicial de Sergio Leone, para a primeira cena do filme, era ter Clint Eastwood, Eli Wallach e Lee van Cleef – atores de “Três Homens e um Conflito” – no papel dos três pistoleiros que morrem logo nos primeiros minutos do filme. Impossibilitado de contar com os três, desistiu da idéia que mostraria, além de audácia por “queimar” três renomados atores em menos de 10 minutos de fita, o fim de um ciclo e o início de outro. Caberia então ao desconhecido Charles Bronson encabeçar essa nova jornada.” Era Uma Vez no Oeste” faz parte de outra trilogia composta de “Quando Explode a Vingança” (1972) e “Era uma Vez na América” (1984). Com Era uma vez no Oeste o diretor Sergio Leone levou ao patamar máximo o spaghetti western. Perfeccionista como poucos se deteve a cada detalhe de um filme de longos 165 minutos. 

O ritmo do longa é extremamente lento, há longos espaços sem diálogo e quando acontecem são marcados pela morbidez que acompanha aos personagens no encalço da morte, assolados pelo calor do deserto mas ainda sim frios, quase despreocupados. Leone usa closes e outras tomadas e movimentos modernos para a época. Movimentos que, na verdade, iriam inspirar diretores como Tarantino e outros. É emblemática a cena em que o vilão Frank é “apresentado”, a câmera da a volta pelo personagem partindo de suas costas e foca bem próximos dos olhos azuis de Henry Fonda, mostrando um contraponto do carismático Fonda travestido como um vilão implacável. 

O som e a trilha sonora tem importante papel em toda a construção da história. Na primeira cena, o girar de um moinho enferrujado, as gotas que caem no chapéu de um homem, que permanece imóvel, e o irritante “zunido” de uma mosca rondando outro rosto denotam a monotonia daquele lugar. Numa parceria vitoriosa com Ennio Morricone, em Era uma Vez no Oeste Ennio compôs um tema para cada personagem. A gaita do personagem de Charles Bronson, pacato e ameaçador. Claudia Cardinale é acompanhada por uma musica que evoca a esperança por um recomeço, o surgimento de uma cidade ou uma nova vida. Frank (Henry Fonda) caminha inclemente junto de uma composição acentuada pelo som malévolo de uma guitarra. Por fim Cheyenne (Jason Robards) oferece a dualidade do som de um banjo, displicente e sagaz. Neste mesmo ritmo, as atuações correspondem totalmente a cada nuance de seus personagens. O silêncio e as expressões de Charles Bronson, a doçura e a coragem no olhar de Claudia Cardinale contraposto a frieza dos movimentos e olhares de Henry Fonda. Mas é Jason Robards, no papel de Cheyenne, que rouba a cena com a dualidade do seu personagem. O ator transita natural e certeiro entre o bufão e o sisudo, o vilão e uma espécie de anti-herói. 

Produzido em 1968, o dvd duplo de Era uma vez no Oeste, traz muito material extra, documentários, entrevista, galerias e biografias, tudo com legenda em português.


Ygor MF
Postado originalmente no O Cinemista


CABEÇA DE NEFERTITI

Ainda
sorri
para dentro
e é sorrindo
que dorme
no sono róseo
do quartzo. Há
na sua boca,
adormecida,
uma borboleta
escarlate
à espera
que uns lábios
úmidos
a despertem
e lhe devolvam
as asas.



KORE

Do seu sorriso
de estame desprende-se
uma flor. E das tranças,
soltas como espigas
caindo-lhe dos ombros,
desabrocham
os seios. E na renda
do corpo e do seu braço
direito mutilado
dormem serpentes que umas vezes
lhe cingem os pulsos, outras
descem ao púbis, que todavia
não se vê
mas se pressente
no movimento estudado
do braço esquerdo. E é de lá
que a espiga do sexo
se abre, perfumada,
como uma rosa de sangue.

Albano Martins


Vestígios de leitor

O leitor é um lagarto no deserto.
A sua passagem, a leitura, está condenada
a desaparecer na primeira varredela de uma tempestade de areia.
Fecha-se o livro, e logo se abate um horizonte castanho,
sufocante, denso, sobre o lido.
Mas há lagartos que persistem nos sinais.
Sublinham a rota, assinalam os marcos miliários da emoção,
iludidos de que, quando regressarem, tais indícios permanecerão
nos mesmíssimos pontos, crédulos de que eles próprios
serão os mesmos quando voltarem. Mas não voltam.
E, se voltam, são já outros. Não reconhecem os sinais.
Ou o lugar deles na paisagem.
Outros lagartos requisitam o livro na Biblioteca
e detectam a passagem de lagartos anteriores.
Aborrecem-se inicialmente com os sublinhados, os comentários.
Resignados, logo após, iniciam uma investigação:
Quais os efeitos do deserto nos meus antecessores?


Ahmad Shamlu


Num rápido e secreto estudo físico 

ganho as calçadas, as distâncias entre um poste e outro.
As pessoas são variáveis e a este calculo não competem.
Eis e não por acaso que chora um homem.
Um homem triste... Desesperadamente
Um bêbedo que por uma fresta de juízo se vê desgraçado... 

Absurdamente.

Os braços esboçam abraços,
mas as pernas automáticas,
estúpidas de abraços, seguem.
O corpo mostra-se estupidez,
apenas lágrima,
não grita, não fala,
e a mente rígida em enlouquecer.
frente ao choro de todos nós... 


Incrível como um dia,
todos os nossos feitos,
não movem na história um par de chinelos.

Em contra-partida uma superfície verde,
de homens de bronze que andam estáticos,
uma concavidade denota mais...
assemelha-se mais a um ser de praticável afeição.


Ygor MF

Uma das frases que estrátegicamente foram colocadas na capa do DVD "2 Coelhos", ressaltando sua qualidade e sua importância no cenário do cinema nacional, denota justamente o que pode qualificar ou apontar certa frustração acerca da produção. "2 Coelhos renova o filme de ação no cinema nacional". Pergunto: O que é inovar? Esse inovar que o critico , revista, jornal aponta.


Custo a identificar um filme nacional que seja exclusivamente de ação. Talvez Cidade de Deus e Tropa de Elite pra citar dois exemplos de qualidade, porém este são mais dramas sociais do que filmes de ação, por outro lado esses sim inovaram o cinema nacional em diversos níveis; roteiros, linguagem dinâmica moderna e qualidade técnica primorosa, publico, renda, critica, temas, ação etc etc... Qualidades ou novas pontuações que não se enxerga 2 Coelhos, pois INOVAR é muito mais que inserir frames ou câmeras lentas em alta definição, computação gráfica e outros utensílios tecnológicos. 

Dificil então é classificar o que seria inovador no atual cinema brasileiro, sendo uma alcunha de bastante pretensão para qualquer produção realizada por aqui. Porque então insistir na questão (pouco importante) do inovou ou não? Porque foi com essa expectativa que o longa chegou aos cinemas e agora chega as locadoras. Seguindo uma formula já usada por Guy Ritchie no excelente "Jogos Trapaças e dois Canos Fumegantes" e mais tarde em "Snatch Porcos e Diamantes" do mesmo diretor. Isso sem falar naquele tal de Tarantino que faz algo similar...

Posto que 2 Coelhos de Afonso Poyart, é um filme bastante interessante, pode-se agora observar suas boas qualidades e característica, o filme conta a história de Edgar e seu plano de matar dois coelhos com uma cajadada só, numa trama que envolve a namorada, 
politicos corruptos e organizalções criminosas. Enquanto narra sua história, desenhos gráficos, animações 3D enfatizam cada uma de suas ideias e caracterizam a linguagem moderna, violentamente rápida que o longa quer expressar. Entre idas e vindas vamos ao poucos conhecendo todos os planos e o principal objetivo do narrador da história, a medida que vamos conhecendo as reais intenções de outros personagens como os de Caco Ciocler e Alessandra Negrini. Repleto de revi-voltas igual aos filmes citados acima, a história nos prende a cada instante tentando desvendar as tantas possibilidades do enredo e outras dezenas de situações que poderão acontecer caso algo saia do trajeto planejado.

2 Coelhos tem um ritmo frenético, nas sequencias das cenas, acontecimentos, diálogos, idas e vindas pela história, atuações completas sobre tudo de Caco Ciocler, conciso e certeiro como o personagem pede e de Fernando Alves Pinto protagonista da história em busca de uma aceitação, do carisma do publico por vias tortas e não obvias. O longa então consegue dar conta do recado, cumpre o que propõe, entretenimento de qualidade e se não é de todo inovador, alcança, aponta uma modernidade bem vinda ao cinema nacional, mas se olharmos no viés daquilo que inova, que é também arte, outra característica bastante subjetiva, talvez perceberemos que um dos coelhos não foi abatido...

Ygor MF

2 Coelhos
Duração: 104 min.
Direção: Afonso Poyart
Roteiro: Afonso Poyart
Ano: 2011 

Elenco:
Eduardo Moscovis
Alessandra Negrini
Aldine Müller
Marat Descartes
Neco Vila Lobos
Thaíde.
Victor Camundongo

Um poema é um tiro, rajada, tiro de velocista, o poeta é um corredor... andei pensando, corredor de 100 metros, destes que quer sempre quebrar a todos os recordes, que corre para fugir dum batalhão ou alcançar ao inimigo. Ou ainda... corre tresloucado para todos os caminhos e direções. É no poema que o sujeito se coloca intenso por completo.

Já nos romances os capitulos são como kilometros bem planejados de uma maratona. O contista esse sim é um corredor cego que começa a correr do nada e se estatela numa parede invisivel porém intrasnponível do fim que simplesmente aparece e se faz imperativo.

Mas o que querem saber é de poesia certo, é o porque hoje não escrevi aquele poema... É porque estou andando de bicicleta, cantando "raindrops keep falling on my head", em pedaladas fáceis nas quais não derrubo o meu suor e nem os meus sentimentos, é como flutuar no asfalto e não perceber ou melhor ainda, não ligar para os buracos da rua que não mais me derrubam. 

E em meu peito permanece, os recordes, as barreiras que destruirei quando enfim escrever aquele poema...

Victor Camundongo

Veja também:



Parques

Havia começado a ler o romance uns dias antes. Abandonou-o por negócios urgentes, voltou a abri-lo quando regressava de trem à quinta; deixava-se interessar lentamente pela trama, pelo esboço dos personagens. Esta tarde, depois de escrever uma carta a seu mandatário e discutir com o mordomo uma questão de arrendamento, voltou ao livro na tranqüilidade do estúdio, de frente ao parque dos carvalhos. 

Confortável em sua poltrona favorita, de costas para a porta que o havia perturbado como uma irritante possibilidade de intrusões, deixou que sua mão esquerda acariciasse uma vez ou outra o veludo verde e se pôs a ler os últimos capítulos. Sua memória retinha sem esforço os nomes e as imagens dos protagonistas; a ilusão romanesca o venceu quase em seguida. 

Gozava do prazer quase perverso de se desgarrar, linha a linha, do que o rodeava e sentir, ao mesmo tempo, que sua cabeça descansava comodamente no veludo de alto respaldo, que os cigarros continuavam ao alcance da mão, que para mais além das vidraças dançava o ar do entardecer sobre os carvalhos. Palavra a palavra, absorto pela sórdida disputa entre os heróis, deixando-se ir até as imagens que se combinavam e adquiriam cor e movimento, foi testemunha do último encontro no casebre do monte. 

Primeiro, entrava a mulher, receosa; agora, chegava o amante, a cara castigada pelo açoite de um galho. Admiravelmente, ela estalava o sangue com seus beijos, mas ele rechaçava as carícias, não havia vindo para repetir as cerimônias de uma paixão secreta, protegida por um mundo de folhas secas e caminhos furtivos. O punhal se amornava contra seu peito e dentro latia a liberdade encolhida. 

Um ávido diálogo corria pelas páginas como um regato de serpentes, e sentia-se que tudo estava decidido desde sempre. Até estas carícias que enredavam o corpo do amante como querendo retê-lo e dissuadi-lo, desenhando abominavelmente a figura de outro corpo que era necessário destruir. Nada havia sido esquecido: Álibis, azares, possíveis erros. A partir desta hora, cada instante tinha seu emprego minuciosamente atribuído. O duplo repasse impiedoso se interrompia apenas para que uma mão acariciasse uma face.

Começava a anoitecer.
Sem se encararem mais, atados rigidamente à tarefa que os aguardava, separaram-se na porta da cabana. Ela devia seguir pela trilha que ia ao norte. Desde a trilha oposta, ele se voltou um instante para vê-la correr com o cabelo solto. Correu também, parapeitando-se nas árvores e cercas, até distinguir na bruma malva do crepúsculo a alameda que conduzia à casa. 

Os cachorros não deviam ladrar, e não ladraram. O mordomo não estaria a esta hora, e não estava. Subiu os três degraus do alpendre e entrou. Através do sangue galopando em seus ouvidos lhe chegavam as palavras da mulher: Primeiro, uma sala azul, depois, um corredor, uma escada acarpetada. No alto, duas portas. Ninguém no primeiro quarto, ninguém no segundo. A porta do salão, e então o punhal em mãos. A luz das vidraças, e alto respaldo duma poltrona de veludo verde, a cabeça do homem na poltrona lendo um romance.

Julio Cortázar

(uma única incerteza)

Longe e ainda no caminho,
próximo, ainda, somente próximo,
não distante de alcançar, mas distante ao que o tempo
sempre julga.

O não haver um estar-lá, um nunca-chegar e ter sempre um passo
continuo sem saber se há,
havendo somente a convicção e a teimosia de ser.

Ser o que chega e distancia-se sempre.
Ainda próximo, próximo, AINDA, num sempre atrasado passo
de dança, nunca de mágica,
num destino decodificado em cep.

O há-de-ser estando lá, e a suspeita
de quem é por assim estar,
se há ou se é, ser for o que nunca será,
se há o que já houve ou nunca haverá e mais a frente
houver o que ser.

Os passos de longe continuam...
Somente próximos,
os passos durante os segundos dos anos
e nunca os anos dos segundos,
os bem planejados passos.

E a observação das coisas
quando em passos são atravessadas.
Mas se houver onde se estar,
e ser algo que há,
terá valido antes, e tudo... ante
a minha convicção de ser e caminhar.


Ygor MF