Trecho do conto A Fé e as Convicções de Juracir
Parte do livro Do Som ao Impacto e outras história, lançado pelo selo Escritores de 5ª Kategoria



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A noite chegara mais cedo naquele dia, invadindo a tarde com nuvens, que se aglomeraram como um exercito cinzento, despencando água. As poças, umas maiores que outras, e outras mais fundas revelavam a irregularidade da rua. Trânsito, buzinas, cheiro de esgoto. Numa esquina a porta do bar entreaberta com uma placa na maçaneta que indicava: Fechado. 

Um carro estaciona cerca de cem metros do bar, deixa um homem alto, moreno, de estrutura corporal forte. Mais gordo do que forte, é verdade! Com ares de preocupação, segue rumo à porta não se incomodando com a chuva que molha seu rosto. Chegando a dois metros da porta, dá uma última olhada ao seu redor, rua vazia. Joga o cigarro no chão e usa o próximo passo para apagá-lo. Entra no Bar.

As cadeiras sobre a mesa, o chão molhado, a limpeza fora adiada, balde, rodo e vassoura largados. A escuridão da chuva surpreende a iluminação do lugar que permanece com as luzes apagadas. O homem se aproxima do balcão, passa a mão no cabelo espesso para interromper a água que escorre em seu rosto... :
-Estou procurando Abigail. - com o dedo indicador em riste, o homem atrás do balcão aponta para o fundo do bar. 

Uma mesa iluminada pela luz que vinha do banheiro, permitindo que apenas um vulto fosse visto, e a silhueta de um chapéu se mostrava na penumbra.
Respirou fundo, olhou ao seu redor e partiu em passos lentos em direção à mesa. Ouviu pigarros, e uma tosse.

- Sente-se depressa!
Obedeceu! 
De forma silenciosa e tensa. Tentava enxergar o rosto do homem a sua frente. Conseguia ver um bigode grosso e branco, acima dele, a ponta do nariz redonda ostentava um óculos de lente escura, que permitia ver os olhos se movimentando lentos e firmes em sua órbita. 

A foto e o endereço. Jogou o envelope na mesa e se ajeitou na cadeira projetando o rosto mais à frente, esticou o braço e pôs a mão sobre o envelope.
- Acordados? - Perguntou o homem dos óculos e do chapéu. 
Do outro lado da mesa, o outro acenou com a cabeça concordando. Incomodado, apanhou o envelope, arriscou levantar-se, guardou o envelope dentro da jaqueta de couro e tornou a sentar-se, fazendo um estalo com canto da boca. Não concordava:
- O pagamento... é adiantado! - Disse coçando a cabeça e flexionando as sobrancelhas - em lados opostos num tom de desconforto.

- Ali no balcão! - Apontou o velho onde o garçom aguardava com um pano em uma mão, e um envelope na outra.
Ao sair do bar, respirou até que os pulmões tremessem, acendeu um cigarro, fez um gesto rápido com a mão esquerda, um aceno torto e discreto. No alto da rua o motorista soltou o freio-de-mão, e deixou o carro descer devagarinho pela ladeira. Antes de entrar no carro, deu mais um suspiro. Sentia o início daquela onda de sensações, o status de um semideus imprimia em seu olhar uma característica tranqüila e altiva. Fez um sinal projetando o queixo para frente. Encostou a cabeça no banco, fechou os olhos concentrando-se no ronco do motor, tirou o envelope do bolso, e entregou o endereço de onde iriam ao motorista. 
- Passe em casa antes! - Deu a ordem e tentou dormir.

Capa do meu livro Do Som ao Impacto lançado pelo selo Escritores de 5ª Kategoria

A refilmagem de “A Morte do Demônio” “vende-se” como um dos filmes mais assustadores dos últimos tempos. Pretensões ou marketing a parte o longa dirigido pelo estreante Fede Alvarez não cumpre com o que promete, ainda que tecnicamente impecável permanece num limbo não sendo nem um remake (já que corta característica bem específicas do original) e tão pouco alcança algo novo.

Veja o trailer e leia a crítica na integra que publicamos no nosso parceiro O Cinemista



Após o longa-metragem Matadores de Velinhas, refilmagem de Quinteto da Morte, de Alexander Mackendrick, os irmãos Coen visitaram mais uma produção que passou pelas telas de cinema anos antes: Bravura Indômita, de 1969, adaptado do romance de Charles Portis, com John Wayne no elenco. No entanto, segundo os próprios diretores, a nova versão do faroeste não seria mais uma refilmagem, mas sim outra adaptação cinematográfica do livro de Portis.


Leia a critica completa publicada no Cenas de Cinema, site parceiro onde colaboro.



Poema à boca fechada

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago

UM LOUCO SONHADOR

De certo modo, sonhar é um pesadelo. Porque só sonhar não constitui nada. É só um sonho que diante da realidade não satisfaz e deixa a vida cruelmente morna. Porém, investigando um sonho é possível perceber, através da imaginação, que ele basicamente surgiu antes ou durante o nascimento do tal sonhador. Evidentemente, também não é fácil comprovar que um sonho tem traços genéticos. Parece, sobretudo, uma ação do Criador ou uma esperança constituída pelos nossos pais.

Agora uma coisa também deve ser dita! Um sonho não se justifica. Se vive e ponto final. E como viver um sonho que aparentemente parece impossível? E mais, quem garante que ao realizá-lo a tão desejada felicidade apareça?
Consultando as expectativas, é muito provável registrar que um sonho se trata de um desafio. E isso ocorre quando ele deixa de ser um sonho e começa a interferir, positivamente, na realidade. O que poucos sabem ou ignoram é o casamento fiel e eterno do sonho com a atitude. É durante a convenção de um com outro que a vida redobra os sentidos. 

Na prática, e para encerrar a conversa, se você der um passo em direção ao seu sonho, automaticamente, ele se torna realidade, dependendo apenas de detalhes, dias, meses ou anos para se tornar numa grande história. Bons sonhos!

Marcelo Andrade é jornalista na produtoramc e escreve sobre arte e cultura no portal artenomovimento.com.br e colabora com o Moviemento.


Cavar

Entre o dedo e o dedão a caneta
Parruda pousa; como arma pega.
Sob minha janela, um som raspante e claro
Quando a pá penetra a crosta de cascalho:
Meu pai, cavando. Olho para baixo.
Até seu dorso reteso entre os canteiros
Encurvar-se, brotarem vinte anos atrás
Dobrando-se em cadência nos batatais
Onde estava cavando.

A chanca aninhada no rebordo, o cabo
Alçado contra o joelho interno com firmeza.
Ele extirpava talos altos, fincava o fio luzidio
Para espalhar batatas novas que colhíamos
Adorando a fresca dureza nas mãos.

Por Deus, o velho sabia usar uma pá.
Tal qual o velho dele.
Meu avô cortou mais turfa num dia
Do que qualquer outro homem no pântano de Toner.
Uma vez levei leite numa garrafa
Mal rolhada com papel. Ele aprumou-se
Para bebê-lo, e em seguida pôs-se a
Talhar e fatiar com precisão, lançando
Torrões nos ombros, indo mais embaixo atrás
Da turfa boa. Cavando.

O cheiro frio de barro de batata, o chape e o trape
De turfa empapada, os curtos cortes de um fio
Nas raízes vivas despertam em minha cabeça.
Mas pá não tenho para seguir homens como eles.

Entre o dedo e o dedão a caneta
Parruda pousa.
Vou cavar com ela.
Seamus Heaney