Continuando as publicações do cinecult do cinemista, O Evangelho Segundo São Mateus de Píer Paolo Pasolini.

Diz-se que no projeto inicial do longa “A Paixão de Cristo”, o diretor Mel Gibson não pretendia incluir qualquer tipo de legenda, acreditando que a história de Jesus Cristo se faz conhecida nos quatro cantos do planeta e a sua universalidade faz desnecessária qualquer tradução. Independente de religiões e culturas podemos ver isso em uma cena de “Amistad” de Steven Spilberg, em que escravos aprisionados de navios negreiros fazem a sua interpretação da história de Cristo, sem qualquer tipo de conhecimento ou preconceito “chegam” próximos a essência da história.

Em “O Evangelho Segundo São Mateus” o diretor italiano Pier Paolo Pasolini valoriza a imagem e o silêncio, há claro as legendas e na versão disponível em DVD, existem as opções dubladas e a versão original com áudio em italiano e legenda em inglês. No entanto, o que chama mais atenção no longa é o caráter de certa forma austero de Jesus, essa impressão se dá por outros motivos e não por alguma tentativa do diretor de tentar mudar o caráter do personagem bíblico. Pasolini influenciado pelos ideais neo-realistas formou um elenco todo de “não-atores” e abdicou de maneirismos e instrumentos dramático-sentimentais. Em contra partida, a história originalmente contada pelo apostolo Mateus é cuidadosa e fielmente retratada passando por cada momento registrado no livro, desde o nascimento de Jesus, aos ensinamentos e parábolas, do chamado dos apóstolos à ressurreição.

Embora colorido digitalmente a simplicidade da produção ainda se faz notar, seja no figurino e ou nas locações em que foi filmado. Corte secos e closes estáticos aumentam proporcionalmente a tensão e a importância de cada fala. O amadorismo dos atores apenas colabora para uma maior verossimilhança, não vemos os atores, mas os personagens “vivos” naquele contexto. Destaque maior para o ator Enrique Irazoqui (Jesus Cristo), sua atuação é contida, serena e intensa. Mesmo nos momentos mais críticos da história como na crucificação ou no Getsêmani o ator não apela, não se aproxima de “caricaturas” mas transmite em sua interpretação o caráter reto de Jesus, pronto e ciente de seu destino…

Em mais uma leitura de esbarrão estamos aqui compartilhando novas descobertas, já que seria bastante pretensioso dizer que compartillharmos conhecimento...

Esse livro me chegou através de um vídeo do pessoal do Homo Literatus que citou a obra e me despertou curiosidade no ato, fui conferir...

"O Cavaleiro Inexistente" de Italo Calvino, narra a trajetória do cavaleiro Agilulfo, famoso pela armadura sempre branca, pela destreza em combate e pela disciplina militar. Fazendo parte da seleto grupo de paladinos que servem ao Rei Carlos Magno, Agilulfo teria ainda mais destaque se não fosse por uma certa particularidade... Por dentro daquela armadura branca, não existe nada, se ouve uma voz e se vê a armadura mexer e lutar, mas dentro dali há um vazio, um cavaleiro que ao menos físicamente, não existe.

A saga do Cavaleiro Inexistente se divide entre outras histórias de personagens que nno contexto da cavalaria e guerras, buscam sua redenção junto a glória e nobreza nos feitos. De igual forma Agilulfo após ser indagado sobre como teria conquistado seu título de cavaleiro, parte numa busca angustiante para reencontrar a dama que ele salvou das mãos de um mal feitor.

Sempre com uma visão cômica dos fatos e personagens, nas horas das batalhas e noutros momentos a narrativa se aproxima do filosófico também sempre em paralelo com a metalinguagem do ato de escrever, já que tudo em verdade é narrado por uma freira presa em um convento.

Leia dois trechos do livro abaixo:

"...O Sinal de que começara a batalha foi a tosse. Viu lá em baixo uma nuvem de poeira amarela que avançava, e outra subiu do chão porque os cavalos cristãos também se haviam lançados para a frente a galope. Samblado começou a tossir, e todo o exército imperial tossia entalado em suas armaduras..."

"...Portanto o importante era entender-se, coisa não muito fácil entre mouros e cristãos e com várias línguas mouras e cristãs entre eles, se alguém recebia um insulto indecifrável, que podia fazer? Era preciso suportá-lo e quem sabe se ficasse desonrado pelo resto da vida. Por tanto nessa fase do combate, participavam os interpretes, tropa rápida, com armamento leve, montada em cavalinhos, que circulavam ao redor, captavam no ar os insultos e os traduziam imediatamente na língua do destinatário...



Nascido no dia 15 de outubro de 1923, Italo Calvino era natural de Santiago de Las Vegas, em Cuba. 

Italo Calvino foi apresentado e conviveu com grandes intelectuais de esquerda de seu tempo. Foi na década de 1950 que ele publicou os livros que o tornariam famoso internacionalmente. O primeiro deles, de 1952, foi O Visconde Partido ao Meio, que seria acompanhado pelo clássico O Barão nas Árvores, de 1957, e O Cavaleiro Inexistente, de 1959. A partir daí, o trabalho de Italo Calvino ganharia muita repercussão e ele publicaria outros importantes textos nas décadas seguintes, com destaque para O Castelo dos Destinos Cruzados, de 1969, As Cidades Invisíveis, de 1972, e Palomar, de 1983.

Vítima de uma hemorragia cerebral, Italo Calvino faleceu no dia 19 de setembro de 1985, deixando um imenso legado para a literatura mundial.

Veja o que mais esbarrou por aqui no Movimento!

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Continuando a divulgar o livro Do Som ao Impacto, lançado pela editora Multifoco, convido a todos agora para participar de algo diferente. Trate-se do vídeo-conto My Funny Valentine, um dos contos do livro, que disponibilizo aqui e convido leitores, blogueiros e curiosos a fazer a leitura em conjunto desse texto.

O conto está separado por parágrafos, que deve ser escolhido e gravado em áudio e vídeo, envie para a página do Moviemento no Facebook, (não esqueça de salvar o arquivo ou vídeo, ou link com o nome do conto e parágrafo escolhido) os mais criativos serão escolhidos e então incluído no "longa" de leitura vídeo e áudio do vídeo conto My Funny Valentine. 

Abaixo link para inspiração da música que inspirou o nome do conto, e acima, ilustração sugestiva sobre a personagem Helena... Um imã para cafajestes...



My Funny Valentine

Parágrafo 1

Os carros iam passando diante de seus olhos calmos, curiosos. Debruçada no banco traseiro, ignorava mais uma advertência de sua mãe a respeito de sua postura dentro do veículo. A menina observava os diferentes carros e pessoas que se aproximavam do automóvel de seu pai. Tinha enjoado de perguntar quanto do percurso ainda tinha de ser percorrido.

Procurou outras coisas merecedoras de sua atenção.As mãos apoiadas no queixo, de tempo em tempo, soltavam-se explodindo um sincero aceno em direção aos passageiros dos outros carros. Com o balanço de suas mãozinhas, seus lábios formavam sem emitir som a palavra “tchau”. Virou-se! Permaneceu sentada corretamente no banco de passageiro, do jeito que sua mãe queria que fosse. Decidiu que mais nada merecia sua atenção. Observando aquela natureza
patética do interior de um automóvel, adormeceu.


Parágrafo 2

Em seu sonho o carro de seu pai deslizava sutilmente pela estrada, não havia outros carros e podia se ver lá na frente a praia, não havia em sua mente a complexidade da arquitetura das cidades. Para entrar na água, que ela não mais temia, era só descer do carro e pronto, de encontro às primeiras ondas, que em seus sonhos eram sempre pequenas.

Quinze anos se passaram. Ela tem agora o andar de uma mulher. Se os seus 24 anos não a tornavam mulher por completo, intelectualmente ela estava emancipada, diferente de outras moças de sua idade. Conseguia compreender os filmes daquele diretor, entendera que para certas artes precisamos estar prontos, aptos, merecedores de seu entendimento. Uma menina mulher, uma mulher ainda menina, com busto, coxas, cabelos, cintura e olhos pretenciosos sobre os homens ao seu redor e complexos para as mulheres que o confrontavam.


Parágrafo 3

Descia a rua Augusta rumo ao Espaço Unibanco. “Curta as Seis”. Filme Europeu! Assim Helena era mais Helena!
Discreta e elegante, dava margem para a suspeita de ser uma prostituta. Mantinha um sorriso entreaberto no rosto, como quem cumprimenta a noite que se aproxima; e todos os homens como possiveis clientes. Num modo pessoal de crueldade misturado a um humor requintado que só mesmo ela achava graça.

As luzes no cabelo iam se apagando, era preciso voltar ao salão de beleza, porém era preciso esperar para ter dinheiro e voltar ÀQUELE salão. Os seus lábios estavam um pouco ressecados, tinha visto numa revista a receita de uma mistura de frutas para hidratá-lo. O seu rosto estava perfeito, a mudança de alimentação desde o mês passado fizera efeito de fato. Com algumas roupas ainda se achava um pouco gorda. Outras, porém, davam-lhe a cintura perfeita
e a aparência de estar dois quilos acima do peso.
De acordo com o que ouvira de um amigo, era a
perfeição física de uma mulher segundo os homens,
ou segundo as bichas como ele. 


Parágrafo 4

Estava satisfeita consigo, com o que via no reflexo dos vidros dos carros e lojas, um sorriso ameaçava tomar seu rosto tamanho era o orgulho dela mesma. Saindo do cinema, um tour pelo centro. Fazia questão de pegar o “Avenidas”, adorava o trajeto daquele ônibus por mais que levasse maior tempo até o apartamento. Helena era um ímã para cafajestes...
- Alo!? Alo! O telefone a acordara logo pela manha.
- Oi, é você, por que ligou tão cedo?! Ok, estou a caminho. Só me dê um tempo para tomar uma ducha, e me aprontar.
Normalmente acordava com o despertar de seu estéreo programado para tocar a música 10 do CD, aquela música que lhe deixava tanto triste quanto alegre, que lhe fazia atingir um sublime sentido. My Funny Valentine, uma canção que dava a tudo razão, talvez por aguçar ao máximo seus sentimentos, só mesmo um despertar surpreso despreparado não fazia sentido. Um ímã para cafajestes...


Parágrafo 5

Aprontou-se! Aquele vestido florido a deixava divina, as pontas engomadas, o busto justo, bem apertado, ela ficaria por se admirar a tarde inteira. O batom, no entanto, não lhe agradava, mas sendo quase uma exigência de Tadeu ela achava que valia o esforço de aturar o acessório.
No caminho suspiros e assobios. Ela não olhava, nem um sorriso soltava, não se empolgava, direcionava essa “energia” vinda de fora para sua autoestima, não deixava transparecer o seu não-ligar. 
Lembrou-se de um poema de seu admirador secreto, não era de todo ruim, pretensioso, mas de algum valor:
“Eu te resgataria Helena Troiana, faria, mitologia onírica. Desta realidade que sem tu, Configura-se aterradora! Caminho único para o sepulcro...”


Parágrafo 6

Chegando à casa de Tadeu, deparou-se com os amigos dele que lá estavam, e eles, com suas coxas. Não teve, entretanto, tempo para se sentir mal, puxada pelo punho foi levada para dentro da casa. Com os pés, Tadeu abriu e fechou a porta do quarto, deitou-a na cama ainda com lençóis e cobertores desarrumados, e com uma mão de cada lado de sua cintura foi puxando sua calcinha, certificou-se da
porta encostada.
- Como adoro esse seu vestido. Murmurou com o rosto colado ao de Helena. Permaneceu estática, olhando para o teto. Impossível partilhar do prazer que ele encontrava ou propunha, em dado momento quase adormeceu, conseguia por fim dominar a repulsa àquele momento. Afinal de contas, depois alcançava certo deleite enquanto dormia.


Parágrafo 7

Quando acordou encontrou um rosto sereno lhe esperando, era Tadeu com um sorriso amarelo, desviou o olhar pela janela onde pode ver que já era noite. Tadeu disse algo, ela pouco se importou.
Fechou os olhos. Odiou aquele olhar falso simulando carinho, o rosto ardia, sabia que estava vermelho por causa da barba cerrada dele. Sem responder, levantou-se e foi direto ao banheiro, sonolenta, permaneceu debaixo do chuveiro. Tentava se lembrar de algum filme no cinema. Pensava na nova fase do cinema francês e na exposição, que só iria até este fim de semana das fotos na noite clandestina de Paris. Aquela reportagem da revista sobre a vida de garotas brasileiras que faziam programas na
“Cidade Luz”, tinha mesmo lhe chamado a atenção.
A voz de Tadeu atravessava seus pensamentos de forma irritante. Parou de pensar e continuou apenas debaixo do chuveiro...


Parágrafo 8

Saindo do banheiro, viu Tadeu dormindo nu na cama, boca e pernas abertas, satisfeito e indiferente a tudo. Vestiu-se. Arrumou o decote do vestido, não precisava mais do batom. Na rua parou o primeiro taxi que atravessou seu caminho. Dentro do carro aproximava-se de sua mente uma clareza, seguida de alguma confusão, eram flashs da rua Augusta e
das ruas de Paris, letreiros e anúncios de cinema, a música no rádio atrapalhava sua tentativa de assoviar baixinho: “My Funny Valentine”. 
Ela disse NÃO às lágrimas que se aprontavam nos olhos, pensava na menina que fora e na mulher que se tornara. Uma última olhada para trás, entre possíveis destinos apenas pediu ao motorista que seguisse em frente.

Helena... Era um imã para cafajestes...