Crítica originalmente publicada no O Cinemista repuplicada aqui no Moviemento, vale a pena ver o filme e depois conferir se sua opinião bate com o texto daqui... Há quem prefira ver os filmes com o menor número de informações possíveis, outros já se armam com mais dados, enfim, uma ótima opção pra quem ainda não viu e uma oportuna chance de rever este grande filme, fica a dica...


PEDRO ALMODÓVAR E O CINEMA DO 
COTIDIANO IMPROVAVEL…

O quão surpreendente podem ser os filmes do espanhol Pedro Almodóvar? Se alguém já arriscou algum palpite provavelmente foi mais uma vez surpreendido a cada novo lançamento do espanhol. Engraçado que, contudo, os seus esquemas e a sua forma parecem ser sempre os mesmos. No entanto, os temas e principalmente a força com que os invade é que causa tal surpresa, para não dizer choque. Almodóvar faz uma visita aos ditos “tabus”, defrontando-os: homossexualidade, erotismo, estupro, pedofilia, mudança de sexo, etc.

Em “A Pele que Habito”alguns desses elementos estão presentes com a mesma força e clareza que desconcerta e marca. Todavia, não cabe aqui a questão sobre o que leva o diretor à esses temas. Corajoso, controverso ou oportunista, a principal qualidade de Pedro Almodovar é o apuro técnico crescente de seu trabalho, com dezenas de filmes e prêmios em sua carreira. Não resta duvida de que este é um grande contador de história. Como pode ser percebido em A Pele que Habito, os personagens de Almodóvar e suas histórias, por assim dizer, são sempre movidos por segredos, pelo drama desses serem descobertos ou pelo trauma de te-los que guardar. Excêntricos, estranhos, violentos e até maléficos, há sempre um desconcerto dentro dessas pessoas que reverbera ao seu redor das maneiras mais fortes e sofríveis.

É um segredo que move o personagem de Antonio Bandeiras em A Pele que Habito. Roberto é um renomado cirurgião plástico empenhado em “produzir” geneticamente uma pele humana que seja mais resistente, o que segundo ele poderia erradicar doenças como a malária e outros males de que sofre a humanidade. Para isso mantém numa espécie de cativeiro Vera, sua cobaia em quem faz teste de resistência a fogo e picadas de mosquitos, lhe prometendo a pele mais resistente do mundo. Quando está fora em outros compromissos ou em palestras divulgando seus avanços e tentando convencer a comunidade científica do benefício de usar tal tecnica, sua mãe é responsável pelos cuidados de Vera.



Certo dia Marilia sua mãe recebe a inusitada visita de Zeca, seu filho a muito tempo desaparecido. É tempo de carnaval e Zeca esta vestindo uma fantasia de leopardo, na verdade aquele é um disfarce e o carnaval a brecha para conseguir fugir da policia que o persegue após um assalto mal planejado. Após esse tenso reencontro, que termina com Marilia feita de refém, Zeca descobre Vera trancafiada em um quarto. Seu rosto o faz lembrar de alguém do passado, alguém com quem teve e ainda tem um forte sentimento. Tomado por esse sentimento invade o quarto de Vera e ainda mais intenso a estupra, neste momento Roberto aparece e mata seu meio irmão. Este será o primeiro momento de alguma ternura entre Roberto e Vera, deixando de lado os papéis de médico e paciente ou cientista e cobaia, após uma infeliz tentativa de sexo os dois apenas adormecem abraçados. Neste momento o filme se divide voltando a um passado remoto e trágico que explicará o papel e o caminho de cada um até aquele momento…



Através desse artifício no roteiro, Almodovar reconstruirá a história de cada um desses personagens que em verdade estão sempre tentando remontar peças importantes de suas vidas. Ainda seguindo características marcantes do diretor, atuações teatrais próximas de um exagero proposital e cores fortes, quase sempre saturadas, vão dando formas ao cinema do espanhol. Quando começou as filmagens de A Pele que Habito, Almodovar dizia que queria fazer um filme de terror sem gritos ou sangue e consegue atingir o ápice desse sentido através do caos do desconhecido e do improvável, que em seu trabalho é a principal matéria prima…


Olá!!! Continuando após uma pausa no Moviemento, hoje na verdade publico um texto de um tempo atrás mas que é sempre bem vindo, atual. Trata-se da crítica do "novo clássico" Fargo, de 1996, texto originalmente publicado no O Cinemista onde colaborei por um bom tempo. Mas em breve tem material inédito aqui no Movimento, inscreva-se para receber as notícias, acompanhe também nas redes sociais, deixe seu comentário! 

UMA COMÉDIA DE ERROS

Ao deparar-nos com as cenas finais de Fargo, sobre tudo com a sequência do triturador de madeira e toda a conclusão da história, é com grande espanto que lembramos do “aviso” no início do filme: “Baseado em fatos reais”. Não se sabe ao certo até que ponto tudo aquilo é real ou imaginação da dupla, ou ainda como sugere um dos irmão em entrevista: Uma compilação de fatos, recortes de acontecimentos em lugares e épocas diferentes costurados em uma só história.

Por outro lado, essa é uma das características mais marcantes da filmografia de Joel e Ethan Coen, o bizarro, o extraordinário e cruel, juntam-se com o banal e o cômico, numa mesma linha, ritmo e frequência, não destoando nem parecendo estranho aos olhos. “Fargo”, “Gosto de Sangue”, “Onde os Fracos Não Tem Vez”, “Queime Depois de Ler”, são todos exemplos dessas improváveis misturas que, nas mãos habilidosas dos Coen, vem dando ótimos resultados.

Produzido em 1996, “Fargo” é o que se pode chamar de um “novo clássico”. Com orçamento baixíssimo para os padrões de hollywood, o longa levou duas estatuetas de melhor roteiro e atriz para Frances McDormand. Além dos próprios irmãos, os atores William H. Macy e Steve Buscemi – que, até então, fazia importantes mas pequenos papéis como em Cães de Aluguel e Pulp Function – passaram a despertar maior interesse em toda a industria cinematográfica.

Jerry Lundegaard (William H. Macy) é gerente de uma revendedora de automóveis, passando por sérios problemas financeiros. Ele elabora um plano para dar a volta por cima. Trata-se do sequestro da própria mulher. Para isso, contrata Carl (Stevie Buscemi) e Peter (Gaear Grimsrud). O resgate será pago por seu sogro, um rico empresário que tem por Jerry um total desprezo. Tudo parece perfeito até que Jerry e seus dois comparsas mostram-se atrapalhados por completo, incapazes de dar cabo da “missão”. Uma sucessão de erros começa a frustrar os planos de Jerry, tornando a história cômica e trágica. É nesse cenário que aparece a chefe de policia Marge Gunderson (Frances Mcdormand). que está nos últimos meses de sua gravidez, mas intrépida e com uma visão aguçada para cada detalhe. Ela mergulha nas investigações de um homicídio triplo que a levará até o sequestro de Jean Lundegaard.

Toda essa história acontece na fria e distante Fargo, Dakota do Norte, sob uma nevasca constante em uma amplidão branca e isolada. O clima e o espaço tem, portanto, grande influência no ritmo do filme ao passo que, manchas de sangue contrapostas com a neve ou qualquer outro acontecimento estranho, vão ganhando um contraste gigantesco diante da vida pacata daquela pequena cidade. Escrito pelos irmãos, o roteiro de Fargo, assim como a maioria dos filmes da dupla, teve instruções rígidas para ser seguido à risca, um trabalho minimalista que foca desde movimentos, expressões, pausas ou hesitações, completo e detalhado. Por outro lado, nada em todo esse trabalho é gratuito ou meramente estético e alegórico. Tudo tem sim uma função na construção da história, de dar apoio ou mais ênfase ao que se conta, exemplo disso é a atenção dada ao dialeto, gírias e ao sotaque local presentes nos diálogos.

Assim Joel e Ethan Coen vão construindo sua história na mundo do cinema, unindo o grandioso com o pequeno, o inusitado com o corriqueiro, tendo ritmo europeu, cara de independente e a força e amplitude do cinema norte americano…