Polissia mostra o cotidiano de um departamento de policia especializado em crimes contra crianças, estupros, abusos, pedofilia, abandono e outros. Um drama documental e corajoso, escrito e dirigido por Maïwenn Le Besco que venceu o prêmio do Juri do Festival de Cannes 2011.

Além de escrever e dirigir Maiwenn também atua. Faz o papel de Melissa, fotografa que passará uma temporada acompanhando o cotidiano dos policiais afim de montar um livro. No entanto, seu personagem pouco colabora ou importa para a história. Apesar desse elemento descabido, o grande trunfo de Polissia é justamente mesclar a dura realidade com a qual os policiais diariamente se confrontam com momentos mais amenos de pura rotina e ainda alguns raros momentos de descontração.

Pelos vários personagens e tramas paralelas, o longa flerta com o esquema de seriado. Por outro lado, é muito bem amarrado e resolvido sem deixar que a história vá para muito longe do tenso ambiente da delegacia. Há também uma tênue linha documental mas muito sutil que em momento algum se torna didática ou cansativa. Vale ressaltar a coragem de não se desviar do tema ou amenizá-lo de alguma forma, consequencia disso são alguns momentos e imagens bastante fortes. Aqui Maiwenn encontrou um ótimo parâmetro para contar uma história sem esquecer da denuncia e vice-versa.



Propositalmente escrito errado, “Polissia” simula a escrita de uma criança, que embora façam parte do universo do longa são tratadas como coadjuvantes. Não é nelas que a camera se demora. Com movimentos rápidos entre um personagem e outro, o que se quer mostrar na tela são as reações e os sentimentos despertados em cada situação e cada personagem. Por sua vez, falta aqui alguém que se classifique como personagem principal, que em Polissia é muito mais uma Coisa do que alguém, são sentimentos como o Amor e o Horror respectivamente presentes em lugares e situações até então impraticáveis.



Originalmente publicado no O Cinemista

Mais um publicação que originalmente saiu no O Cinemista  e trago agora para os leitores do Moviemento. 

Medianeiras

Martin (Javer Drolas) e Mariana (Pilar López de Ayala) estão reaprendendo a viver sozinhos. Depois do fim de seus respectivos relacionamentos lutam contra depressões, síndromes aos montes e uma cidade que ao mesmo tempo que os une os mantém separados, desconhecidos. Bateria de remédios e a própria solidão são armas usadas nessa batalha. Tratamentos ineficazes contra o “vilão” da história; a arquitetura desordenada da cidade que segundo Martin é a principal culpada pelos males sociais e pessoais dos grandes centros urbanos.

Enquanto não se encontram, escutam a mesma música, se emocionam com o mesmo filme, percorrem o mesmo caminho e principalmente procuram a mesma coisa. Mas não se acham, não se percebem em meio ao caos da cidade que os cega.



Dirigido por Gustavo Taretto, Medianeras foi premiado no Festival de Gramado e no Festival de Berlim. Segundo o diretor o tema do longa é a cidade sendo a solidão um dos males desse lugar que atinge especialmente Martin e Mariana. Tal contexto poderia resultar num drama pesado e tenso, mas não é o que acontece. Num ritmo agitado e divertido somos levados pelo pensamento dos personagens a cerca de sua situação e a impressão que eles têm da cidade, das pessoas e de convenções sociais como: Internet, trabalho, relacionamento, arquitetura e muitos outros temas que invariavelmente chegarão ao público com muita simpatia e identificação.

A linguagem do longa é moderna e ágil. Animações e recortes enfeitam a narrativa, não apenas esteticamente, mas colaborando para a construção do contexto, numa chuva bem organizada de informações. Medianeras investe num estudo, ou melhor, num retrato contemporâneo dos “novos adultos”, sujeitos adaptados as novas tecnologias mas com hábitos ou lembranças de tempos anteriores. Jovens que, recentemente, conquistaram sua independência e precisam agora enfrentar as complicações desse feito.


Os atores Javier Drolas e Pilar López de Ayala, sustentam toda a história como se estivessem num diálogo direto e constante diminuindo a importância de tudo ao seu redor, fazendo dos sentimentos e pensamentos de seus personagens a ferramenta ideal para traduzir seus dramas e contar suas histórias.

O WESTERN EM SUA EXCELÊNCIA

Originalmente publicado no O Cinemista
Harmonica, modo como o personagem de Charles Bronson é chamado por estar sempre acompanhado de uma gaita, desce do trem na estação, lá três homens já o aguardam. Num determinado momento do lento diálogo entre o quarteto, Harmonica nota que três cavalos acompanham os homens e decreta: Dois cavalos a mais. Em seguida num movimento rápido dispara três tiros certeiros. Ele está em busca de vingança…

Jill McBain (Claudia Cardinale) chega da estação para encontrar seu novo marido com quem se casou meses atrás e só agora irão morar juntos. Mas ninguém a espera pois todos estão mortos. Frank (Henry Fonda) e sua “gangue” fizeram o trabalho sujo a pedido de Morton (Gabriele Ferzetti) um milionário interessados nas terras por onde uma futura linha de trem passará. A partir desse momento, Jill MacBain está em busca de vingança. Fugido da prisão o pistoleiro Cheyenne (Jason Robards) fica sabendo que homens usando casacos como o que ele e seu bando usam estão cometendo brutais assassinatos, numa suposta tentativa de incriminá-lo. Cheyenne está em busca de vingança…



Noutro momento os caminho de Jill, Harmonica e Cheyenne se cruzarão, ainda que exista uma forte tensão entres os três, Jill será protegida pelos dois homens enquanto é perseguida por Frank e seus comparsas. Como diz o diretor Sergio Leone, em Era Uma Vez no Oeste todos os personagens, exceto o de Claudia Cardinale, sabem que vão morrer. É um encontro lento e silencioso com a morte anunciada. E será o interesse desses personagens que moverá o longa. No entanto, outras histórias podem ser retiradas deste longa que fala de muitas outras coisas, como a transformação do Velho Oeste com a chegada da modernidade vinda através dos trens, a mudança de comportamento das pessoas com a velocidade nas comunicações e viagens além do dinheiro, que chegando aquelas terras fez mudar a figura do vilão. Não mais um fora da lei, barbado e armado, mas um homem bem vestido, rico e instruído. Os “românticos” assaltos a banco serão deixados de lado. Homens gananciosos e inescrupulosos passarão a fomentar a discórdia e o desajuste social sem portar qualquer tipo de arma. Este é papel de Morton vivido por Gabriele Ferzetti personagem que está por trás das ações do impiedoso Frank.

A idéia inicial de Sergio Leone, para a primeira cena do filme, era ter Clint Eastwood, Eli Wallach e Lee van Cleef – atores de “Três Homens e um Conflito” – no papel dos três pistoleiros que morrem logo nos primeiros minutos do filme. Impossibilitado de contar com os três, desistiu da idéia que mostraria, além de audácia por “queimar” três renomados atores em menos de 10 minutos de fita, o fim de um ciclo e o início de outro. Caberia então ao desconhecido Charles Bronson encabeçar essa nova jornada.” Era Uma Vez no Oeste” faz parte de outra trilogia composta de “Quando Explode a Vingança” (1972) e “Era uma Vez na América” (1984). Com Era uma vez no Oeste o diretor Sergio Leone levou ao patamar máximo o spaghetti western. Perfeccionista como poucos se deteve a cada detalhe de um filme de longos 165 minutos.

O ritmo do longa é extremamente lento, há longos espaços sem diálogo e quando acontecem são marcados pela morbidez que acompanha aos personagens no encalço da morte, assolados pelo calor do deserto mas ainda sim frios, quase despreocupados. Leone usa closes e outras tomadas e movimentos modernos para a época. Movimentos que, na verdade, iriam inspirar diretores como Tarantino e outros. É emblemática a cena em que o vilão Frank é “apresentado”, a câmera da a volta pelo personagem partindo de suas costas e foca bem próximos dos olhos azuis de Henry Fonda, mostrando um contraponto do carismático Fonda travestido como um vilão implacável.

O som e a trilha sonora tem importante papel em toda a construção da história. Na primeira cena, o girar de um moinho enferrujado, as gotas que caem no chapéu de um homem, que permanece imóvel, e o irritante “zunido” de uma mosca rondando outro rosto denotam a monotonia daquele lugar. Numa parceria vitoriosa com Ennio Morricone, em Era uma Vez no Oeste Ennio compôs um tema para cada personagem. A gaita do personagem de Charles Bronson, pacato e ameaçador. Claudia Cardinale é acompanhada por uma musica que evoca a esperança por um recomeço, o surgimento de uma cidade ou uma nova vida. Frank (Henry Fonda) caminha inclemente junto de uma composição acentuada pelo som malévolo de uma guitarra. Por fim Cheyenne (Jason Robards) oferece a dualidade do som de um banjo, displicente e sagaz. Neste mesmo ritmo, as atuações correspondem totalmente a cada nuance de seus personagens. O silêncio e as expressões de Charles Bronson, a doçura e a coragem no olhar de Claudia Cardinale contraposto a frieza dos movimentos e olhares de Henry Fonda. Mas é Jason Robards, no papel de Cheyenne, que rouba a cena com a dualidade do seu personagem. O ator transita natural e certeiro entre o bufão e o sisudo, o vilão e uma espécie de anti-herói.

Produzido em 1968, o dvd duplo de Era uma vez no Oeste, traz muito material extra, documentários, entrevista, galerias e biografias, tudo com legenda em português.