Continuando a compartilhar resenhas publicadas originalmente no O Cinemista

FUGA NA ESCURIDÃO

Baseado no romance homônimo de Stephen King o diretor Stanley Kubrick faz uma polêmica e interessante adaptação do cultuado sucesso da literatura de horror. A adaptação gerou certo desconforto entre os fãs do livro, acostumados ao clima macabro e às vezes cômico criados pelo escritor, no filme deparam-se com a releitura bastante particular de Kubrick que “limou” diversos elementos do livro focando a história no personagem Jack (Jack Nicholson) e em sua transformação, diferente do livro que faz do Hotel Overlook uma entidade maior do que um simples espaço arquitetônico. Por sua vez, Kubrick desenvolve questões psíquicas e sensoriais que vão muito além do que um filme de terror oferece. Mais tarde no fim da década de 90 “O Iluminado” seria novamente adaptado, Sthephen King iria acompanhar de perto essa adaptação, segundo ele, bem mais “fiel” ao seu trabalho.


Em “O Iluminado” Jack aceita o emprego de zelador do Hotel durante a baixa temporada, um inverno avassalador tornará aquele lugar praticamente inalcançável. No entanto, tal cenário parece o ideal para as pretensões de Jack que busca o total isolamento para poder escrever o seu livro. Assim, Jack, Wendy (sua mulher) e Danny seu filho partem para o hotel sem saber que aquele lugar guarda misteriosas histórias e poderosas forças do mal, que aos poucos vão influenciando e tomando por completo a personalidade de Jack.



Um ótimo roteiro aliado a grandes interpretações, contudo é com o perfeccionismo do diretor que o longa alcança sua primazia. Boatos contam que takes foram feitos mais de 50 vezes até que Kubrick se desse por satisfeito. O diretor trabalha com verdadeira obsessão focada em cada elemento cinematográfico como se fosse impossível realizar um trabalho sem que todas as suas partes fossem executadas com perfeição. Por da exaustão, Kubrick dirige cada tomada até o ponto ideal.
Para as cenas feitas no gigantesco labirinto ou nos corredores do hotel, o diretor usou a Steadcam, que consiste em um equipamento criado por Garrett Brown em 1975, onde a câmera é acoplada ao corpo do operador através de um colete onde é instalado um braço dotado de molas, e serve para estabilizar as imagens produzidas, dando a impressão de que a câmera flutua.
A carreira cinematográfica de Stanley Kubrick é constituída de trabalhos surpreendentes, únicos, Kubrick nos oferece sempre uma nova visão sobre o tema abordado. Em “O Iluminado” substituiu espaços escuros e apertados típicos de filme
Desde a coloração, densidade e volume da neve feitos com sal e isopor, até detalhes do figurino e os closes no rosto dos personagens, tudo é visto e planejado metodicamente sendo que cada detalhe, não é um mero detalhe, mas faz parte de uma proposta maior com uma função não apenas estilística mas uma ferramenta narrativa. Kubrick conta histórias sem fecha-las, o filme cresce à medida que o revemos nos oferecendo outras interpretações permanecendo sempre um mistério a ser pensado.s de terror, por espaços grandiosos iluminados por uma mesma luz, opaca e inebriante que resulta em um clima de tensão e suspense, o longa formulou diversos parâmetros, tendências que são usadas até os dias de hoje principalmente nos filmes de terror, assim como umas das cenas mais famosas do cinema em que Jack Nicholson aparece com seu rosto transtornado entre as rachaduras da porta que ele destruiu com um machado. O diretor evita, foge dos clichês para obter o mesmo ou um melhor resultado por outro caminho.
Mais do que um grande diretor ou apenas um contador de histórias, Kubrick é um grande estimulador, um provocador, munido de projetos, inquietações e da “fervura” mental que acompanham os grandes artistas.


Em umas das tarefas do primeiro módulo da Clipe 2015, curso de preparação para autores realizado pela Casa das Rosas em São Paulo, foi proposto aos alunos, investigar, observar e exercer os diferentes tipos de narradores em suas histórias.

Abaixo seguem três versões de uma mesma história contadas por narradores diferentes.

A incrível história do homem que desistiu de viver

3ª PESSOA - narrador oniciente, aquele que sabe de tudo, pensamentos, ações dos personagens e o porque de cada coisa.

Era uma vez um homem que desistiu de viver... No entanto, não se jogou da ponte, nem tomou veneno ou deu um tiro na têmpora, embora o som da palavra cicuta lhe agradasse e lhe fazia lembrar daquele filósofo com nome de jogador. E assim um misto de dó e dor faziam com que ele gostasse ainda mais daquele homem, mais do filósofo do que do jogador, já que este último nunca defendera as cores do seu time de coração.

Um pequeno homem, diziam sobre o filósofo, baixo e feio diziam as más línguas dos historiadores. Como Jesus Cristo foi acusado de corromper a juventude com suas ideias. Fato é, que de todos esses homens, nenhum tinha desistido de viver, mas ele sim tinha.

Alguém lhe disse que; desistindo de viver, ele se transformaria em uma pessoa extraordinária. Não o extraordinário de belo, maravilhoso exemplar, mas alguém fora da ordem, fora do normal, fora daquilo que se esperava das pessoas corretas. Desistindo ele estaria  fora do combate bravio e rotineiro “Que só os fortes aguentam”, diziam com olhos fechados e dedos em riste como se apontassem aos céus ou a outra verdade absoluta.

Mas ninguém entendia que desistir não era ficar trancafiado numa sala vivendo sobre a cama. Nem jogar-se dum alto prédio ou na frente do trem. Muito menos que todas essas possibilidades, com uma admirável destreza de não fazer mal a ninguém, nem mesmo a ele. O Homem tinha desistido de viver, mas continuava a pagar suas contas, ir ao trabalho, subir e descer escadas. Trocava ou comprava novas roupas e lavava a calçada aos finais de semana, tudo o que as outras pessoas cheias de vida faziam, mas ele... tinha desistido.

2ª PESSOA - O narrador é próximo do personagem, tem algum grau de parentesco ou intimidade, pode-se direcionar diretamente a ele, emitir sua opinião sobre as ações e pensamentos do personagem, no entanto, aqui o narrador não sabe de tudo, mas baseado no conhecimento que tem o personagem, pode "prever" algumas de suas ações.

Homem!!! Pra que desistir de tudo? Que fraqueza é essa? Bom menos mal que não vai se jogar da ponte, era só o que faltava né? Também não vá querer dar uma de poeta romântico e contrair tuberculose por ai, ou outra doença fatal. Seja homem que história é essa de desistir de viver?

No entanto, lhe aconselho por esses dias a ficar longe daquelas leituras que lhe deixam tão pra baixo, Sócrates que foi mal interpretado e injustamente morto, eu sei, é de foder uma coisa dessa. Mas também o que você quer? Em contra partida disso outros paspalhos dão com uma doze na cabeça, aquele louco varrido do Hemingway, não é parâmetro pra ninguém! Esqueça! Pense então no Sócrates do meu Timão, sei que você lamenta o fato dele nunca ter jogado pelo Palestra, mas são coisas da vida, paciência.

Por outro lado amigo, esqueça essas pessoas que dizem que desistir é coisa de fracos, é pecado e outro monte de baboseira. Porque eles burros levam tudo pro lado literal da coisa, acham que você vai se matar mesmo, se jogar da ponte, cortar os pulsos e esse monte de merda que as pessoas fazem por aí. Não é assim né?

Pois bem amigo, eu digo a você não desista, digo isso como conselho, mas a escolha é sua e não irei gostar mais ou menos de você por isso. Na verdade vou virar as costas e deixar você com seus pensamentos e filosofias, ou a total ausência desses.

Tranquilo, sem remorso de deixa-lo só, pois sei, que você continuará lavando a calçada, vai continuar a pagar as contas, ir ao trabalho, subir e descer escadas. Independentemente do que você escolher, ninguém vai notar, nem vão te aplaudir ou vaiar, ninguém vai perceber, mas eu sei amigo... que você... Desistiu...


1ª PESSOA - É o próprio personagem que narra a história, portanto, todas as ações e a narrativa por completo segue o seu ponto de vista, opinião e tendências, pode ser o tal do narrador não confiável que pretende que o leitor aceite a sua história.

Primeiro veio a revolta por tudo e por nada, vontade de explodir e ser a bomba que levaria tudo ao redor para os ares. E foi dia e noite, meses e anos de altos e baixos que levaram a cicatrização forçada das feridas, e o corpo e a alma calejarem. A partir daí, não quis mais nada, nem xingava mais o juiz ladrão ou o centro avante perna de pau que perdera mil gols. Nem políticos safados nem amores traídos, chegou o tempo em que eu desisti de tudo, tudo mesmo, inclusive de viver...

Contudo, a consequência de desistir não seria pular da ponte, cortar os pulsos ou beber cicuta igual fizeram Sócrates beber. Ah... Eu desisti até mesmo da filosofia e meu último pensamento espontâneo foi imaginar o Dr. Sócrates vestindo a camisa do Verdão. Mas também não ligava mais pra isso, desisti do grito de gol no meio da comemoração enquanto a rede ainda balançava.

Eu bem sei que nenhum dos Sócrates e outros mártires ou homens admiráveis tinham desistido de viver, mas eu desisti. Então vieram  todo tipo de gente conversar comigo, religiosos, moralistas e falsos amigos em tom de alerta dizendo: Que se eu desistisse, seria alguém extraordinário, e explicavam como se eu fosse uma anta e não entendesse. Extraordinário diferente de belo, exemplar, mas sim fora da ordem, fora do normal, fora da luta guerreira de cada dia que só os fortes aguentavam. E nesse ponto aumentavam o tom doutoral dos que sabem de todas as coisas.

Mas ninguém entendia que desistir não era de fato dar um fim na vida. Afinal, eu continuaria a pagar as contas, subir e descer escadas, comprar roupas novas, lavar a calçada e um tanto de outras coisas que essas pessoas cheias de vida faziam, mas eu ora bolas, tinha desistido...

A Corrida de São Silvestre é um EVENTO além de uma simples corrida de rua. Funciona na capital paulista como uma data festiva, também por estar alí, beirando a virada de ano. Uma data tradicionalmente marcada na vida dos paulistas, sejam eles atletas, corredores amadores ou mesmo telespectadores. Mais de 90 edições marcadas por muita emoção, de um acontecimento que marca, muda a vida das pessoas sendo um primeiro passo para diversas resoluções de vida e ano novo. Um evento que cresceu com a cidade, acompanhou as mudanças, evoluções e o crescimento da cidade de São Paulo.


Infelizmente “toda” essa atmosfera, informações e histórias, foram deixadas de lado, para ser percorrida por um viés intimista, experiemental, mas sobretudo, incompleto. Pouca emoção será encontrada no DVD “São Silvestre”, documentário dirigido por Lina Chamie.

O longa começa com a câmera presa ao corpo de um corredor, trata-se do ator Fernando Alves Pinto, que se preparou para participar da corrida e registrar cada passo dessa jornada. Depois de alguns longos minutos a câmera como se estivesse sozinha solta pela cidade visita diferentes pontos do percurso da corrida, mais precisamente a avenida Paulista, local da largada e chegada da corrida.

Nessa extensa “primeira parte” o público conhece de forma raza todo o contexto da prova. É sim boa a tentativa, como é boa também a trilha sonora composta por música clássica, interpolada com o caos da cidade. Ainda aqui o roteiro parece interessante, ao menos em sua estrutura, mas fica nisso,  sem maior contato sem histórias ou personagens, o documentário parece cansativo, sem alcançar nenhuma emoção. 


Em tempo, deixo o link aqui do Moviemento de quando participei da corrida; "Minha Primeira São Silvestre" , e triste afirmo que nem quem correu, nem o grande público que desconhece a sensação de participar da São Silvestre, encontrará nesse documentário algum vestígio dessa emoção. Por fim a sensação que se tem, é de que o longa de Lina Chamie, tinha na verdade folego apenas para um curta metragem.



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Continuando a divulgar os textos publicados no O Cinemista , publico agora aqui no "Moviemento Hiroshima Meu Amor" de Alan Resnais, mais um texto do Cinecult.

PRISÃO DO ESQUECIMENTO

O diálogo do incomunicável, a expressão do inexpressível, compreender e se livrar do passado que não se entende e não se liberta. Essas são tentativas frustradas dos personagens de “Hiroshima Meu Amor”, uma atriz francesa de passagem pelo Japão para gravar um filme contra a guerra se encontra com um arquiteto japonês, ambos perdidos de seus relacionamentos conjugais se encontram em uma país que tenta ainda se reencontrar emocionalmente numa pós catástrofe atômica.

O diretor francês Alain Resnais tenta contar a história do incontável, em diálogos desconexos, distantes, sozinhos. O início do filme é composto de longos momentos de silêncio, contemplação do nada, imagens fortes do bombardeio do qual a cidade de Hiroshima foi alvo.


A trilha sonora melancólica acentua o clima e cada sentimento dos personagens, enquanto estes são a justa contraposição de sentimentos e caminhos a ser percorrido. Elle (Emmanuelle Riva) é uma bela e sensível atriz, no entanto atormentada por um amor do passado que a mantém inerte, como se perambulasse através dos dias e pessoas. O olhar sempre angustiado parece buscar a visão daqueles dias perdidos. Lui (Eiji Okada), ao contrário, quer fugir dos dias passados, e do atual momento de sua vida com um casamento fracassado sem amor. Para isso, o arquiteto encontrará em Elle o caminho para sua fuga ou sua redenção. Nesse romance intenso e descompassado Hiroshima meu Amor alcança maiores vôos do que somente um relacionamento entre duas pessoas, segue inerente, toda uma carga política, e filosófica por trás de todo gesto que se vê na tela.

Sendo um dos precursores da Nouvelle Vague, o diretor Resnais conta uma história densa, utilizando e misturando a linguagem literária à cinematográfica, formatando uma história quase estática, mas ainda sim não linear. Sem dúvida que Hiroshima Mon Amour não é um filme fácil, já que os cineastas da “nova onda” buscavam justamente o distanciamento de produções comerciais, buscando o conflito da imoralidade antes escondida.

Por fim, cabe se dizer que: Para se ver livre do passado há de se entregar a prisão do esquecimento…

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