No Meio do Caminho


No meio do caminho tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
tinha uma pedra 
no meio do caminho tinha uma pedra. 
Nunca me esquecerei desse acontecimento 
na vida de minhas retinas tão fatigadas. 
Nunca me esquecerei que no meio do caminho 
tinha uma pedra 
tinha uma pedra no meio do caminho 
no meio do caminho tinha uma pedra

Carlos Drimmond de Andrade
O Que eu penso enquanto corro... parte II

Redação de férias... eu era bom nisso no colégio, exceto quando o assunto era livre. Poder escrever sobre qualquer coisa é poder escrever sobre nada, ou melhor: é conseguir escrever sobre nada... Poder escrever sobre tudo? Como se alcança, como se escolhe tudo, ou algo dentro desse tudo que se pode traiçoeiramente tocar?!

Me aventuro então em uma “redação” sobre as minhas férias, sem saber e também sem me importar sobre o quanto isso pode ser embaraçoso, original ou muletas, artifício fácil, escapatória para um autor sem idéias.

Ainda influenciado pelo livro de Murakami citado acima penso naquilo que foi um diferencial nesses dias. Eu treino duro o ano todo, dando maior ênfase a musculação do que a corrida, porém quero balancear essa “equação” e planejo correr mais do que “puxar” ferro. Voltando ainda ao tema da parte 1, para finalizar uma idéia lançada ali, entendo que fato igual a ter um romancista-maratonista, seria dar o poder da fala a um animal, um cão por exemplo, e ele descreveria como é a vida de um cão já que somente aquele cão conhece a partir daquele momento, os dois mundos, antes distintos.

Não que corredores sejam defeituosos de intelecto ou que escritores sejam todos velhos e moribundos diante de suas máquinas de escrever. Mas Murakami seja talvez um caso único, não por correr e escrever, eu também faço isso e não sou único por isso, mas o autor japonês consegue ser de fato um escritor maratonista e não só um maratonista que escreve ou um escritor que corre, ele é substancialmente um corredor-maratonista. Não sei se Hemingway

era um escritor que caçava, ou um escritor caçador, contudo era de fato um escritor posto que a caça possa ter sido apenas um hobby, oras bolas, escritores, corredores, gerentes de bancos, tem invariavelmente seus hobbys, mas nem por isso transgridem a um passo maior em sua existência.

Sendo assim tenho me dedicado mais a correr, planejado me inscrever em provas de 5 quilômetros e ir sucessivamente aumentando essa distancia. Tenho corrido nos arredores da minha casa, no bairro do Morumbi, há um percurso ali que somando as três voltas que dou somam 6,6 quilômetros, devo admitir que em um determinado trecho, durante uma subida íngreme, apelo para a caminhada. Murakami sempre dizia se referindo a ele mesmo: “Pelo menos ele nunca andou”. Não posso dizer isso, mas digo que pelo menos eu ando somente na subida, há de se ter algum vigor ou acréscimo para isso... penso.

De férias em brotas, encontrei um cenário diferente, não vou dizer perfeito, mas instigante para um boa corrida, a estrada de terra, em partes fofa em partes dura, possibilita uma corrida sem dores, sem grandes impactos aos joelhos, a sensação da área desconhecida convida a nunca mais parar de correr, uma certa adrenalina no pensar onde aquela estrada levará.

Então sem abrir mão do MP3, me surpreendo como a música eletrônica se encaixa neste cenário bucólico, o silencio e o gigantismo da paisagem parecem amplificar infinitamente o som, como se viesse das nuvens ou nas montanhas o som se propagasse. Olhar para o fim, ou o fim que os olhos logo alcançam causa um certo suspense em pensar o que virá após a próxima cursa ou elevação do terreno, quando olho para o lado, rente as cercas de arame farpado é como se fosse passageiro de um veículo do qual eu sou o motor e controle, conforme as pernas agüentam e o tanto que a empolgação faz o fôlego atingir outros níveis de condicionamento físico... êxtase...

Mesmo com o som alto ouço ainda um som externo a tudo aquilo, olho pro alto e vejo sobre a minha cabeça duas aves, parecem gaviões comunicando um ao outro a minha presença, e o som agudo que vem deles se dissipa entre todas as coisas, some aos poucos num eco distante e agradável...

Outros animais se assustam entre as folhas e me assustam por osmose, cavalos, vacas e bois apenas me observam passar por eles, se perguntando e quase me perguntando se ofereço algum risco ou se podem continuar pastando por ali. Num movimento largo, extenso, eu ergo os braços e acelero a corrida em sua direção, eles fogem, mas com um medo que não comporta um pavor, tão pouco a luta por sobrevivência, parece mais um cenário pré-programado no qual o papel deles é fugir, é subjulgar-se ao homem.

Na verdade esse era o plano inicial, quando Deus criou o homem, o fez justamente para dominar todos os animais da terra, do céu e do mar, mas não necessariamente para por medo nesses, acredito que essa concepção de medo do homem, os animais e os próprios homens aprenderam sozinhos.

Por fim, desconfio de um cenário que me espera, como se eu fosse apenas mais uma peça de tudo aquilo, pareço estar em um lugar na ausência de tudo, de estradas para correr, de homens que venham buscar seus animais, de animais que quase não pastoreiam, e de outros que não defendem ninhos de inimigos invisíveis, de estradas que não levam a lugar nenhum, ou pelas quais ninguém optou seguir, é uma paz ambígua que causa suspense, é a suspeita de que tudo é regido pelo nada, seria engano dizer que nada parece fazer sentido, mas o que falta não é sentido, falte talvez algum movimento, mas nada a não ser eu se movimenta e como se estivéssemos em extensões completamente distintas encontramos, pertencemos a este cenário de paz por motivos igualmente distintos, pois tudo ao meu redor permanece em paz justamente por estar intacto e eu cada vez mais em paz enquanto completo outros quilômetros...

Ygor Moretti















DO QUE EU FALO QUANDO EU FALO DE CORRIDA - Parte 1


“Do que eu falo quando eu Falo de corrida” é o nome de um livro de Haruki Murakami, um autor japonês, que de dono de bar de jazz tornou se simultaneamente escritor e maratonista, chegando a completar mais de 25 maratonas, provas de triátlon e a ultra-maratona, percurso de 100 kilometros.

Penso na impossibilidade de uma “raça” uma espécie de pessoas que possa vivenciar esses dois mundos aparentemente tão distantes. Obviamente que não são tão distantes, obviamente que não é um acontecimento, um surgimento de uma nova raça ou tendência, muito menos importante para o cosmos, um acontecimento banalíssimo, um encontro casual de um sujeito que se apaixonou pelas palavras e por certas necessidades se apaixonou novamente pelo prazer de correr.

Penso na sensação única que seria ser invadido pela endorfina enquanto se digita um terceiro parágrafo de um conto ou qualquer outro texto, e a partir desse momento igual acontece após os primeiros 15 minutos da corrida, não se quer parar mais... Porém escrever pra mim é um ato de constante insistência, sendo perseguido pela necessidade constante de terminar e alcançar “aquele” ponto final. Pois é nesse ponto final que sinto algo parecido com a endorfina pelo corpo, é quando você percebe à que veio ao mundo, é quando o seu dever, em parte, está cumprido, e livre daquelas palavras daqueles sentimentos você pode se deitar, pensar em nada ou virar a página para divagar em outras questões.

Correr e escrever são coisas semelhantes justamente em suas diferenças... Ficou difícil? Vou tentar explicar: Quando você começa a correr, você sabe a distância que vai percorrer, sabe onde fica o ponto final, e por mais difícil que seja, você aprecia cada passo, ao final, vem um misto de alegria e tristeza, alegria por ter chegado ao fim, e tristeza porque na maioria das vezes quando se tem um fôlego ainda, é preciso fazer um ultimo esforço para se conter e reconhecer o seu limite até ali e decretar fim da corrida, daquela corrida.

Em contra partida, quando se começa pela estrada branca de uma folha em branco, você pode até ter traçado tópicos, parâmetros e ter uma história com inicio meio e fim. Mas o caminhar é árduo, no lutar com as palavras, no forjar as frases e manter-se no itinerário, almeja-se assim muito mais o final onde na maioria das vezes se encontra com o conforto, ou, ainda que ao fim veja que aquele trabalho não está pronto, tem-se ali uma primeira etapa, uma via primitivamente pavimentada, passo e repasso algumas vezes como um rolo compressor para deixar aquele caminho cada vez mais claro, mais objetivo, melhor... Mas isso só acontece quando se consegue domar a estrada pela qual as palavras vão transitar, e isso raramente acontece, penso que as palavras ou a história em si é quem nos doma e nos mostra o caminho, nos tornando operários da palavra, chega-se então a um fim que não se tinha programado,a um lugar desconhecido, antes inimaginável, mas digo, de forma consciente e lúdica foi você quem construiu esse “pequeno mundo...

Ygor Moretti