De Matacavalos à Sé

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Conto publicado no Blog Contos das Rosas, plataforma para os textos produzidos no CLIPE 2015, na Casa das Rosas.

A idéia proposta aqui, era pegar um personagem ou livro clássico e transportá-lo num novo contexto na São Paulo de 2015. Abaixo a minha colaboração, já estendendo aqui o convite e desafio a quem quiser produzir algo com uma idéia similar!!!

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Hoje é um dia importante, estou decidido, vou dar um passo à frente com meus demônios, embora esteja descrente que conseguirei de fato exorciza-los…

Vim para um lugar que me faz esquecer por completo as coisas do Rio de Janeiro, o mar, a brisa e todas as tristezas que as ondas trouxeram para minha vida. Graças ao fabuloso emplasto Brás Cubas, atravessei o século, vi o novo milênio nascer, presenciei descobertas e frustrações da humanidade, que assim como um homem de meia idade, reconhece que é bem menos importante, bem menos interessante do que desejava ser.

Sou uma espécie de Dorian Gray com pecados e segredos, banais, banalíssimos como diria José Dias o amigo dos superlativos. Por esses dias, sinto uma estranha e traiçoeira saudade do poeta do trem, que a um século atrás me deu a alcunha de Casmurro. Desculpe poetinha, não sabia que nos dias de hoje só seriam escritosromancetes vampirescos ou romances românticos que deixariam até mesmo os ultra-romanticos encabulados. Lamento ter cochilado enquanto você lia aqueles poemas, que hoje os reconheço bons.

Na praça da Sé um desconforto se instala no peito, o ar decrépito de construções e prédios antigos, me fazem lembrar do Rio, e tudo que me oprime, envergonha e irrita, saio rápido dali. Nem Largo São Francisco onde me formei em direito trás alguma lembrança boa.

Saio da praça e sigo pela Rua Benjamin Constant, dobro a esquina com dificuldade para vencer dezenas de ambulantes oferecendo alianças e joias de gosto e procedência duvidosa. Prédio enormes perfurados com portelas que parecem levar a outras dimensões que não o interior de edifícios. Entro em uma delas, num extenso corredor abro a sétima porta a direita. Procuro um lugar mais ao fundo da sala de onde observo todos que chegam depois de mim.

Poucos participantes tomam seus lugares, homens reprimidos, assassinos em potencial talvez, ou apenas espécies fragilizadas por aquilo que neles é forte. Estamos aqui para castrar o que há de poderoso e ruim em nossos corações. Fazemos um exercício de respiração e rápida meditação, depois vem um exercício de quebra-gelo que sempre constrange mais do que liberta.

Estou atento, quero ser o primeiro a ter a palavra, firmo os pés no chão já projetando o impulso num quase salto. Quando somos perguntados sobre quem quer dar inicio aos testemunhos, levanto a mão enquanto início a caminhada. Decidido e disposto a guerra por aquela oportunidade, ninguém passará na minha frente, ninguém!

– Boa noite caros amigos, meu nome é Bento Santiago, também conhecido como Dom Casmurro… Respiro, penso no terceiro casamento destruído pelo ciúmes doentio, anuncio:

– Eu, Dom Casmurro, sou um homem que ama demais…


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