Construção do Poema

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Num exercício proposto na Clipe - Casa das Rosas, a idéia era comparar a construção de um poema a alguma tarefa qualquer, algum ato rotineiro, como o celebre Catar Feijão de João Cabral de Melo Neto.

Minha comparação foi o quebra cabeça, a escolha de uma peça pra cada espaço, da mesma forma que o poema precisa de cada palavra no espaço, no ritmo na sequência certa, apesar do certo e errado, ideal ou não na escolha das palavras ser algo muito subjetivo e limitado ao poder de cada autor. Existe sim sempre a procura para ocupar aquele vazio. 

Mãos estáticas diante do vazio,
Infinito em centímetros onde dormem mil possibilidades,
Vácuo que reclama a coisa que lhe falta, 
sem saber o que lhe caberá.
No entanto, já existe o espaço do incompleto,
Já existe a ausência que não dói nem corrói,
Ausência branda de elemento, física, 
intransponível, suportável.
Paralelo o poema permanece estático,
Vai se construindo de cada resto do nada,
Se incorporando de cada espaço vazio do quebra cabeça.

Ygor Moretti

Catar Feijão

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.

João Cabral de Melo Neto


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