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Crônica


E de pensar que tantos outros erros mais castos e sérios não me causaram tantos transtornos, ou por sorte ou por mais tarde, num próximo passo poder contorná-los. É... erros mais sérios que na verdade não causaram transtorno algum.


Pois há o erro clássico que substitui o acerto, e há o erro fatídico que prevalece que se impõe sobre o acerto, o erro determinado que não dá a escolha do correto e ainda, o erro que nem se sabia erro.

Mas esse erro que aqui trato de documentar, não me deixou possibilidades de contornos nos próximos passos, mesmo por que foi um erro no passo que acabara de executar frente ao farol vermelho. Não, não foi uma falha no poder de distinção das cores, foi ao contrário, por eu entender e de certa forma ter “ouvido” do farol verde o chamado para o passo adiante, posto que tal chamado era para que os carros continuassem diretos e objetivos naquele rio de peixes mecânicos.

E então o pára-choque de encontro com minha perna direita, o joelho destroçado sendo pressionado e destroçando o outro joelho, uma pirueta vertiginosa no ar, 90º graus e o corpo como se tivesse deitado estendido no ar e já despencando contra o asfalto. Coisa bonita de se ver se houvesse a combinação, mas se a combinação e o treino existissem de fato, tal perfeição plástica ficaria ainda, ficaria sempre aquém dum esperado sempre a frente, sempre mais aguardado. Mas os tombos e acidentes são sempre quebras de barreiras, são desajustes a tudo o que se espera e para tudo que nos preparamos.

Quase que peço às autoridades do transito que façam os faróis ainda mais expressivos, tipo um luminoso com dizeres; “Hein você a pé no farol, atravesse”, ou “Opa! Espera ai malandro”, “Motoristas liguem seus motores”, até mesmo um estrangeirismo caberia aqui; “Go! Go! Go!”. Mas como disse quase que me atrevo a fazer tais solicitações, por que assumo o obséquio todo meu e descarto tais incentivos para que os motoristas tenham a então certeza de que participam mesmo de uma lunática corrida no trânsito.

Foi por que naquele dado momento alcançava um certo nível de concentração em meus problemas, na resolução desses, ou na resolução e na vontade de ter os problemas dos outros, que me distrai de todo o resto. Porque eu não me distraio da vida, me distraio das coisas, e das cores também, me permito dar uns passos, viver momentos letárgicos, ou melhor, viver “letargicamente” por momentos. É tudo o que a vida permite, ou melhor, não permite, pois por causa desse modo de vida, por uma fresta de letargia, a vida se foi, e ficou a impossibilidade de atravessar a rua.

Mas essa não é a Crônica de uma morte anunciada, e nem próxima, se quer acontecida, nem uma crônica da possibilidade rasteira do acidente fatal, e nem quer se propagar como o aviso de “Danger”, é a crônica que em verdade se desvincula do acontecimento, outrora, sua raiz e motivo. Uma crônica ligeira e inexata demais para que fosse um conto, e ainda impossível para um poema justamente por essa mesma ligeireza. Uma crônica sem saída, sem opção de ser outra coisa já que parte dum quase acontecimento que por ser quase, não cabe também numa anedota, e fica assim sendo uma crônica por excelência, da vida pulsante e fugaz de cada instante.

Ygor MF


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