A cidade não desperta, apenas acerta a sua posição...

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Acordava dez minutos mais cedo do que ela, fazia a barba e já entrava no banho quente. Antes de sair deixava a água cair nas costas, enquanto enxugava os braços e cabelos mantendo a cabeça inclinada para frente fora dágua - Que se dane o desperdício eu que não vou passar frio. Decretava.

No quarto ligava o rádio na estação que anunciava a hora de minuto em minuto. SEIS HORAS E CINCO MINUTOS! REPITA! SEIS E CINCO! 

Cala a boca já sei… Dizia vagarozamente enrolado ainda num mal humor matinal.

Seguia para a cozinha, já num tempo futuro em relação ao da esposa, deixando o trafego do banheiro e closet liberado.
Caneca de café esquentando no microondas e duas fátias de pão na torradeira, terminava de guardar carteira, óculos e outros acessório na bolsa e voltava para a cozinha no exato momento em que o microondas apitava pi-pi-pi - Já vai oh escandaloso! Quase sempre brigava com o eletro-doméstico. 

Mastigava rápido e tomava o líquido aos poucos enquanto ia esfriando, do banheiro ouvia o som de um volume pesado de água caindo no chão. - Já está enxaguando o cabelo. Detectava e iniciava os preparos para servir o café. Sempre lembrava de quando ela ela lhe pedia um copo dágua, repetindo quase sempre a mesma brincadeira; 37% gelada e 63% natural… 22% gelada e 78% natural… Só mudando a porcentagem da mistura, simulando um autoritarismo que ela não tinha.

Enchia metade da caneca com leite desnatado, uma rasa colher de chá com café soluvel, o bastante para “sujar” o leite. Evitava as grandes temperaturas e o risco de “criar” nata, ela odiava. Uma fatia de pão tostado e uma fina camada de margarina, dando aquele aspecto amarelado se impregnando no pão.

SEIS E MEIA!............ REPITA!............SEIS E MEIA! O rádio lhe informava novamente.
Puta merda vou me atrasar de novo! Se assustava, dessa vez agradecido pelo aviso do amigo invisível.

Na bandeja modesta e economica, levava bem menos do que gostaria de entregar; pensava em grandes e recheados pães de queijo, um largo e alto copo de suco natural, torradas e pasta de amendóin ou doce de leite, mas aquele não era dia de exageros.

O café estando amargo ou fraco demais, ela sempre dizia que estava bom, numa voz molenga num lento e pesado despertar. Assitia aos primeiros goles e primeiras mordidas enquanto do outro comodo vinha o alarme: - SEIS E QUARENTA!... REPITA!.....SEIS E QUARENTA!

O corpo tremia num sobre-salto, como se fosse dividir-se ao meio entre aquelas duas realidades ou caminhos, dava um mínusculo passo a trás como se fosse ir embora, retornava rapidamente na direção dela, dava um beijo no rosto quase competindo em espaço com a caneca junto a boca.

Tchau, vou indo, dizia de perto sentindo novamente o cheiro do café misturado ao hálito… - Tchau, dizia ela baixinho. Obrigado! dizia mais baixo ainda, agradecida e quase constrangida por todos os cuidados que ela sabia, vinham juntos de todos os pequenos gestos e medidas…


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